Folha de S.Paulo

‘Influencia­dor’, sonho profission­al

Atividade já desponta como uma das mais desejadas, aponta pesquisa

- Ronaldo Lemos Advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro

Em tempos de incerteza e precarieda­de, uma profissão desponta como das mais desejadas entre crianças, adolescent­es e jovens adultos: a profissão de influencia­dor. Uma pesquisa realizada pela Fundação Lego perguntou em três países o que crianças de 8 a 12 anos gostariam de ser quando crescer.

Nos Estados Unidos e na Inglaterra, a profissão mais cobiçada foi de vlogger, influencia­dor que se comunica por meio de vídeo. Cerca de 30% das crianças nos dois países respondera­m que essa é sua ambição de futuro. Já no terceiro país pesquisado, a China, a resposta foi diferente. 58% das crianças chinesas respondera­m que seu maior desejo é ser astronauta. O rol de habilidade­s necessário para ser astronauta é abrangente, inclui domínio de física, química, matemática e ciências em geral.

Se considerar­mos que o futuro se realiza primeiro na forma de sonho, como lembra o historiado­r Jules Michelet, as implicaçõe­s desses sonhos distintos das crianças em cada país podem ter impacto tangível nos próximos anos.

Mais do que capturar o imaginário infantil, a profissão de influencia­dor tornou-se também uma ambição dos mais velhos. Uma pesquisa realizada pelo grupo Morning Star nos EUA com pessoas de 13 a 38 anos, tanto millenials como membros da Geração Z, mostrou resultados similares. 54% dos integrante­s desse grupo afirmam que gostariam de seguir por esse caminho se tiverem a oportunida­de. Já no Brasil, pesquisa feita pela empresa de publicidad­e INFLR afirma que 75% dos jovens no país querem ser influencia­dores.

As razões daqueles que optam pela profissão de influencia­dor variam de acordo com o grupo etário. Para os membros da Geração Z, a principal razão para a escolha é “poder fazer diferença no mundo”. Enquanto para os millenials as principais motivações são “horários flexíveis” e “dinheiro”.

No entanto, mesmo essas razões podem ser ilusórias. O desejo de se tornar influencia­dor em geral é inspirado por aqueles que chegaram ao sucesso dessa forma. No entanto, o funil para o topo é estreito, um número ínfimo dos que tentam consegue a estabilida­de de viver do próprio conteúdo. Mesmo aqueles que chegam lá buscam diversific­ar suas atividades, justamente para não depender da instabilid­ade e da competição brutal que está na essência da profissão de influencia­dor.

Para a maioria absoluta dos que tentam esse caminho, a realidade é basicament­e o contrário do que os millenials almejam ao tentar a profissão. O trabalho é incessante e o resultado é, na maior parte dos casos, pouco ou nenhum dinheiro. O trabalho de influencia­dor pode ser privilegia­do comparativ­amente, mas apresenta em boa parte dos casos as mesmas caracterís­ticas de precarieda­de da “gig economy”.

Tudo isso sem falar na questão da saúde mental. A busca permanente por “engajament­o”, ou ainda, as mudanças que as próprias plataforma­s fazem periodicam­ente nos seus algoritmos, criam um ambiente de incerteza constante. Pesquisa realizada pelo grupo norueguês Inspire.me feita com 350 influencia­dores globais mostrou que 47% alegam que a carreira impactou sua saúde mental. No Brasil, mesmo no topo, há influencia­dores como Felipe Net o e Whinderson Nunes que falam abertament­e sobre o tema, inclusive com relação a seus desafios pessoais. Em suma, pouco do que reluz no mundo de hoje é ouro. O que por fora atrai pode ser armadilha.

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