Folha de S.Paulo

Famílias vivem em ‘quarteirão fantasma’ da antiga cracolândi­a

Ocupação fica em meio a outros 55 imóveis vazios com risco de desabament­o

- Mariana Zylberkan

são paulo Em meio a um quarteirão de 55 imóveis interditad­os com risco de desabament­o, no centro de São Paulo, uma casa ainda é moradia para 15 famílias, que vivem lá desde abril de 2020, a maioria após ter sido despejada de outra ocupação próxima.

O quarteirão fica no entorno da praça Júlio Prestes, no bairro Campos Elíseos, endereço da cracolândi­a por cerca de 30 anos até maio do ano passado, quando os usuários de drogas se espalharam pelas ruas do centro de São Paulo.

Com risco de ruir após terem sidoinvadi­dosporusuá­riosde drogas que destruíram portas, janelas e a alvenaria para retirar estruturas de ferro, os casarões devem ser demolidos para darem lugar a um projeto de habitação social.

Para impedir que os escombros atinjam pedestres e veículos, há cerca de três meses a prefeitura mantém uma fileira de cavaletes que interdita parcialmen­te a rua Helvétia, entre as alamedas Barão de Piracicaba e Dino Bueno, e o largo Coração de Jesus, onde estão os imóveis condenados.

“Quando chegamos, estava abandonado e ocupado por usuários de drogas”, diz Lays Pereira da Silva, 35, líder da ocupação. “Instalamos os canos e compramos telhas para servir de portão. Até as janelas tinham sido arrancadas”, conta, sobre a única casa ainda habitada no quarteirão.

Ela mora em um dos cômodos com os três filhos. Sua avó, tia e primos ocupam outros quartos. Outras 25 crianças e 15 adultos dividem o imóvel. “Vivemos aqui por necessidad­e, ninguém gosta de morar em ocupação. Sabemos que existe preconceit­o”, diz.

No início deste mês, os moradores receberam uma intimação para deixar o imóvel, mas a ordem de despejo foi anulada pela Justiça em decisão liminar na quinta-feira (25). A imissão na posse do imóvel, porém, já foi formalizad­a, e as famílias não sabem até quando vão poder ficar lá.

A dominicana Maria Estefani Martinez Alvarez, 32, se mudou para a ocupação após ficar sem renda e atrasar o aluguel na pensão onde morava a poucos quarteirõe­s dali. Seus dois filhos estudam desde o início do ano no Liceu Coração de Jesus por meio de um convênio firmado entre a Prefeitura de São Paulo e a escola particular para receber alunos da rede municipal de ensino. “Se eu sair daqui vou ter que tirá-los da escola”, diz.

Sua tia, Norma da Graça Alvarez, 57, mora com ela em um barraco construído no quintal da casa e afirma não ter renda desde que seu bar foi fechado em 2022. “Nos tratam como dependente­s químicos, mas eu nem bebo, eu só trabalho.”

Em comum, os moradores da ocupação afirmam não ter para onde ir e cogitam montar barracas na calçada em frente quando a ação de reintegraç­ão de posse for deflagrada. “Ganho R$ 900 por mês de Bolsa Família. Aqui no centro, como não tenho fiador, cobram três meses de aluguel adiantado. Não tenho esse dinheiro”, diz Rina Pereyra, 38, que veio de Iquitos, no Peru, em busca de trabalho em São Paulo.

O autônomo Walter Ramdohr, 46, conta que foi morar com a filha no casarão após perder o emprego de motorista em uma gráfica. “Se for morar na periferia, vou ter que gastar o dinheiro que não tenho de condução”, diz ele, que faz bicos como entregador.

O peruano Edgar Fernando Ludena, 55, vive com o filho de 12 anos no mesmo lugar e conta ter procurado vagas em outras ocupações diante da iminência de despejo, mas não encontrou. “Estão todas lotadas”, diz.

Há outras 190 famílias que moravam em imóveis da antiga cracolândi­a e foram despejadas após os endereços terem sido lacrados por determinaç­ão da Polícia Civil desde 2017. Segundo investigaç­ões, os locais eram usados para esconder e consumir drogas.

De acordo com a gestão Ricardo Nunes (MDB), todas foram inseridas no auxílio aluguel “com direito ao atendiment­o definitivo com unidade habitacion­al”. O atendiment­o, no caso, é fazer parte da lista de espera da Cohab (Companhia Metropolit­ana de Habitação de São Paulo) por uma vaga em empreendim­entos habitacion­ais na capital. Atualmente, há cerca de 185,7 mil cadastros ativos na fila por moradia social.

A demanda por habitação social na cidade deu um salto durante a pandemia, segundo números oficiais. Os picos ocorreram em agosto e setembro passado, quando mais do que quintuplic­ou a quantidade de cadastros em relação aos mesmos meses em 2020.

A prefeitura afirmou que assistente­s sociais estiveram no endereço na última quinta e que as famílias recusaram encaminham­entos a abrigos municipais. As famílias recebem cestas básicas, segundo a Secretaria de Assistênci­a e Desenvolvi­mento Social.

“Quando chegamos, estava abandonado e ocupado por usuários de drogas. Instalamos os canos e compramos telhas para servir de portão. Vivemos aqui por necessidad­e, ninguém gosta de morar em ocupação. Sabemos que existe preconceit­o Lays Pereira da Silva líder da ocupação

 ?? Karime Xavier/ Folhapress ?? Famílias que vivem desde abril de 2020 em ocupação na antiga cracolândi­a terão que deixar imóvel
Karime Xavier/ Folhapress Famílias que vivem desde abril de 2020 em ocupação na antiga cracolândi­a terão que deixar imóvel
 ?? ?? Dados cartográfi­cos ©2023 Google
Dados cartográfi­cos ©2023 Google

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil