Folha de S.Paulo

Festival de Caninhas

Desencana, Cannes, botecos têm Robert De Niro e tapete vermelho o ano todo

- Bia Braune Jornalista e roteirista, é autora do livro ‘Almanaque da TV’. Escreve para a Rede globo

Sim, eu sei, terminou o Festival de Cannes 2023. Duas semanas do mais glamouroso badalo cinematogr­áfico europeu. No apagar dos flashes, haja caminhão-pipa para lavar o luxo entranhado nas ruas do balneário francês.

Depois de tanto reunir ácaros e estrelas internacio­nais, o lendário tapete vermelho pôde enfim ser recolhido.

Corta para: do lado de cá da poça atlântica, uma Croisette frequentad­a por celebridad­es de chinelo e dotada de palácios, digamos assim, com restrições orçamentár­ias. Mas que mantêm seus holofotes até o último freguês, mesmo quando a luz está para ser cortada.

Um festival de caninhas, mas também de cervejas e biricutico­s, com sede e sede — “ê” fechado e “é” aberto— na alma botequeira do Rio.

Robert De Niro da Tijuca, por exemplo, sabe que esse negócio de trabalhar só quando Scorsese lança filme não tem nada a ver. Todo dia, das 7h às 22h, ele é o poderoso chefão do Bar Guanabara, além de sósia do ator. Atende por Joel.

É nova-iorquino do Rio Grande do Norte. Enfim, detalhes desimporta­ntes para aqueles que, como eu, nada bebem e tudo roteirizam.

O papel de “Taxi Driver”, contudo, foi roubado pelo motorista que faz ponto no pé-sujo da minha esquina. “Sou Manuel, mas a turma do copo me chama de Kirk Douglas”. Uma reescalaçã­o de sucesso, pois Seu Kirk traz sobriedade e mais cabelo ao atormentad­o Travis Bickle. “Olha como somos iguais”, me disse, de peruca, estendendo uma foto plastifica­da do Mr. Douglas original. “Bebendo fica fácil achar parecência”.

“É que nem o nome da princesa de Mônaco, sabe? S-t-e-p-h-a-n-y, mas com ípsilon”, soletrou Grace Kelly um dia, enquanto apontava a filha e me dava o troco de um guaraná estupidame­nte gelado.

Assim o elenco se mantinha em família, tendo como locação uma birosca no principado do Cachambi.

De todos esses astros, o que atua com mais método na botecagem carioca é Marlon Brando. Garçom da Casa Villarino, não só posa para fotos, como as dirige com o rigor técnico de um Francis Ford Coppola self-paparazzo.

“Senta assim, vamos virar a cabeça, bota o celular no alto”. Ali, Tom e Vinícius se encontrava­m em 1956, compondo “Orfeu da Conceição”. Cuja adaptação ganhou a Palma de Ouro... Em Cannes, claro. Tudo se encaixa.

Sem um pingo de álcool nas ideias, tenho para mim que boteco, depois do cinema, talvez seja a oitava arte —basta a fotografia dar mole ou uma licencinha. E não se esqueçam: em setembro tem Emmy, a premiação da TV. Quando ficarei devendo a história de MacGyver, meu pedreiro blockbuste­r.

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Marcelo Martinez

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