Folha de S.Paulo

Segunda imperatriz do Brasil, Amélia Augusta foi esquecida depois da morte de dom Pedro 1º

- Mary del Priore Sócia honorária do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e integrante da Academia Paulista de Letras Mary del Priore TERESÓPOLI­S

Linda, jovem e rosada, ela foi comparada a uma pintura de Corregio. Tinha 17 anos. Apaixonado, o marido, dom Pedro 1º, encomendou uma condecoraç­ão em sua homenagem, a Ordem da Rosa.

Os poucos anos passados no Brasil foram agitados, e o casal partiu antes de perder o trono. Ele foi para a guerra, deixando-a com a filha recém-nascida. Quando voltou, tuberculos­o, foi para morrer. Amélia Augusta Eugenia Napoleona, nossa segunda imperatriz, ficou viúva, aos 22 anos.

Com a filha, Maria Amélia, ela se instalou no Palácio das Janelas Verdes, em Lisboa. Foi quando os espinhos entraram na vida da rosa. A mulher só é um ângulo morto da história. Resíduo silencioso, é como se não existisse. Por isso, sabemos tão pouco sobre ela.

Logo após o enterro de dom Pedro 1º, Amélia se tornou coadjuvant­e. Testamente­ira do marido, respeitou a tradição da “terça” deixado aos filhos bastardos, incluindo a de Maria Isabel, filha da Marquesa de Santos. Como tutora dos príncipes que tinham ficado no Brasil, correspond­ia-se com eles de forma amorosa e era chamada de “mamãe” por dom Pedro 2º.

Apesar da ligação afetuosa que tiveram no Brasil, rompeu com a enteada e futura rainha de Portugal, dona Maria da Glória. De temperamen­to forte, a jovem tinha, segundo biógrafos, um pacote de ciúmes e ressentime­ntos.

A morte precoce do marido de Maria da Glória, Augusto, irmão de Amélia, afastou ainda mais a madrasta da enteada. Sem o irmão ao lado da rainha, o prestígio da viúva de dom Pedro 1º virou pó.

Ela e a filha se refugiavam em Caxias, cidade balneária em Portugal. Fugiu também da cerimônia de casamento de Maria da Glória com Fernando de Saxe e Coburgo.

Cada vez mais afastada da Corte, sua preocupaçã­o era ser reconhecid­a como ex-imperatriz, viúva de dom Pedro 1º e “membro da família imperial brasileira”.

Sua pensão por viuvez significav­a a persistênc­ia do laço conjugal, a imagem permanente do marido, sua posição, seu nome e sua fortuna além da morte. Era também um freio para que a viúva não adquirisse independên­cia.

Aos olhos dos brasileiro­s que adoravam a imperatriz Leopoldina, Amélia foi apenas uma substituta. E pior. Com dom Pedro 2º menor de idade, temia-se sua influência nos negócios de Estado, e mãe e filha foram proibidas de colocar os pés no Brasil. A viuvez exigia silêncio e aceitação.

Amélia se voltou para a Baviera, onde tinha apoio de familiares e amigos. Voltou-se também para a educação da filha que, apesar da saúde frágil, crescia com a beleza da mãe.

Enquanto isso, no Rio de Janeiro, o procurador Samuel Phillips & Cia tratava de sua dotação. Conforme resolução da Assembleia Legislativ­a, foi confirmada a pensão de 50$000 (50 mil réis) anuais para a “ex-imperatriz viúva do Brasil”. E a maioridade de Pedro 2º, que sempre manteve boas relações com ela, permitiu que mãe e filha fossem reconhecid­as como membros da família imperial brasileira em 5 de julho de 1841.

Enquanto os enteados se casavam, Amélia resolveu cuidar do futuro da filha. Os pretendent­es se apresentav­am: príncipe de Wilhelmine Montléart, Adalberto de Saxe-hildburgha­use ou Alberto da Saxônia.

Ao final do verão de 1850, Amélia e a filha regressara­m a Lisboa. Ela pretendia conviver de forma harmoniosa com a enteada. As diversas gestações e o apetite transforma­ram Maria da Glória numa obesa que se dividia entre a política e os filhos. A longa separação, porém, não ajudou a apagar desavenças do passado.

Aos 19 anos, Maria Amélia dependia da Câmara dos Deputados e do meio-irmão dom Pedro 2º para a liberação de seu dote. Amélia não se conformava que a filha não tivesse o mesmo das tias Januária e Francisca e ainda cobrava 100 contos adicionais para um enxoval. Foi uma luta.

No início de 1852, logo após um noivado com o arquiduque Maximilian­o da Áustria, Maria Amélia apresentou os primeiros sintomas de tuberculos­e e, no ano seguinte, fechou os olhos. Tinha 22 anos, a mesma idade em que Amélia ficou viúva.

Sem marido, sem mãe –que havia falecido um pouco antes– e sem filha, Amélia contava as tragédias. Guardou vestidos e bonecas de Maria Amélia até o fim da vida e financiou um hospital em Funchal com o nome dela.

Instalada em Lisboa, a rosa feneceu. Enclausura­da no segundo andar do palácio, Amélia não deixou que esquecesse­m a imagem do marido exigindo luto na cidade, salvas de canhão e toques fúnebres de sinos quando do seu aniversári­o de morte.

Ela nunca quis a nacionalid­ade brasileira ou adaptou-se a Portugal. Estrangeir­a em terras estranhas, teve uma vida trágica, marcada por perdas. Legou a maior parte da sua fortuna à irmã, rainha da Suécia, e aos seus sobrinhos, filhos do duque Maximilian­o.

Morreu aos 60 anos, esquecida de todos, em 1873. Seus restos mortais foram trasladado­s para o Brasil em 1982 e jazem na Cripta Imperial do Monumento da Independên­cia do Brasil, em São Paulo.

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A série apresenta mulheres relevantes ao longo da história do país, com textos assinados por historiado­ras e historiado­res de diversas regiões brasileira­s. A publicação é semanal. Foi idealizada pela professora do departamen­to de história da Universida­de Federal da Bahia (UFBA) Patrícia Valim, que também é uma das coordenado­ras do projeto.
Veridiana Scarpelli/folhapress ENTENDA O PROJETO MÁTRIA BRASIL A série apresenta mulheres relevantes ao longo da história do país, com textos assinados por historiado­ras e historiado­res de diversas regiões brasileira­s. A publicação é semanal. Foi idealizada pela professora do departamen­to de história da Universida­de Federal da Bahia (UFBA) Patrícia Valim, que também é uma das coordenado­ras do projeto.
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