A vingança do lixo
A lixeira é uma invenção mágica do final do século 19: faz desaparecer tudo o que é depositado nela. Longe dos olhos, não é preciso se responsabilizar pelo que acontece dali por diante com os itens descartados.
Essa mágica da modernidade, atribuída ao francês Eugéne Poubelle (1831-1907), cujo sobrenome batizou as latas de lixo na França, se tornou cada vez mais conveniente. A escalada da urbanização e da industrialização, o crescimento da população e o surgimento do consumo de massa fizeram a produção de resíduos explodir.
Em 1900, 13% da população global (220 milhões de pessoas) vivia em cidades e produzia 300 mil toneladas de lixo por dia, entre embalagens, restos de alimentos, itens domésticos quebrados e peças de vestuário. De lá pra cá, a população urbana cresceu 20 vezes e bateu 4,4 bilhões de pessoas (56% da população global). A produção de resíduos cresceu na mesma proporção, chegando a 6,3 milhões de toneladas diárias.
O peso equivale a 121 Titanics de lixo por dia. E boa parte é descartada de modo inadequado, já que 2,7 bilhões de pessoas não têm acesso à coleta regular, segundo o Programa da ONU para o Meio Ambiente (Pnuma).
O lixo está mais relacionado às mudanças climáticas e à perda da biodiversidade do que se supõe. Ele polui o solo, os lençóis freáticos, os rios e os mares. Estima-se que em 2050 os oceanos deverão ter mais plástico do que peixes. Sua decomposição em aterros sanitários também é responsável por cerca de 20% das emissões humanas de metano, o pior dos gases de efeito estufa.
Além disso, o ritmo e a escala com que as pessoas compram e descartam embalagens, roupas, alimentos e tudo mais estão diretamente ligados à quantidade de recursos naturais gastos, de energia consumida e de poluição gerada. Não é pouca coisa.
Se nada mudar, em 2050 a produção anual de lixo será de 3,8 bilhões de toneladas. Será difícil esconder dos olhos essa quantidade brutal como se fazia na Paris de Poubelle.
O gerenciamento de resíduos já é o maior gasto de orçamentos municipais, competindo com áreas vitais como saúde e educação. Seu custo direto global foi estimado em US$ 252 bilhões (R$ 1,2 trilhão) e pode chegar a US$ 640,3 bilhões (R$ 3,2 trilhões) em 2050.
Por outro lado, também segundo a ONU, o lucro líquido potencial de uma economia verdadeiramente circular é de mais de US$ 100 bilhões ao ano.
A vingança do lixo, desprezado desde sempre, é se fazer notar de duas maneiras opostas: como fonte de destruição e doença, num tsunami malcheiroso de tudo o que se queria fazer desaparecer, ou como a chave para novas oportunidades econômicas.
A escolha é urgente.
Hoje, excepcionalmente, não é publicada a coluna de Txai Suruí