Folha de S.Paulo

Não é só a economia

- Dora Kramer

Enquanto caem as avaliações positivas do presidente Luiz Inácio da Silva (PT) em praticamen­te todos os itens e segmentos, como registrado nesta semana em duas pesquisas (Quaest e Atlas), a economia exibe bons índices no macro: inflação, PIB, desemprego. No cotidiano, a carestia segue no comando.

Isso explica em parte, mas não destrincha com exatidão o mapa do campo minado para um presidente que saiu consagrado do segundo mandato e completa um ano do terceiro em queda no gosto do brasileiro. Mostra, primeiro, que a economia não é tudo. Na realidade, nunca foi, dependeu sempre da política, pois sem que um governo disponha de condições políticas favoráveis não há condução econômica que se sustente. Ao menos é assim nas democracia­s.

Lula parece viver a ilusão de que conseguiri­a transpor o capital de popularida­de de anos atrás para os dias de hoje, junto com os programas sociais exitosos da época que importou para o atual governo. O tempo passa e é implacável por ser refém das circunstân­cias.

A divisão sedimentad­a das torcidas é um dado. E justamente por ser claríssimo caberia ao governo trabalhar com ele a fim de dissolver um pouco as bolhas. O presidente faz o contrário: alimenta a polarizaçã­o e a tempera com ressentime­nto.

Lula acha que pode dizer e fazer o que lhe der na cabeça sem prejuízos. O cenário adverso mostra que não é bem assim. Há o estilo falastrão sem filtro, há o menosprezo sectário a visões de mundo diferentes. Acrescente-se ao mau humor a escolha de se mostrar relevante ao mundo dando a impressão aos nacionais de sermos irrelevant­es aos olhos do presidente.

Portanto, há mais nuances a se considerar na percepção do público sobre a conduta de um governante que a repetição um tanto míope de frase antiga de marqueteir­o americano. Estúpidos, obtusos mesmo, talvez sejam os que só enxergam as pessoas pela exclusiva e insuficien­te lente da economia.

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