Folha de S.Paulo

Parte das soluções

Debate deve se estender sem os casuísmos de sempre e incluir o Legislativ­o

- Marco Antonio Carvalho Teixeira e Humberto Dantas

Cientista político, é doutor em ciências sociais (PUC-SP) e coordenado­r do Mestrado Profission­al em Gestão e Políticas Públicas da Fgv-eaesp (Escola de Administra­ção de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas)

Doutor em ciência política (USP), é coordenado­r da pós-graduação em ciência política da FESPSP (Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo)

A existência de reeleição para chefes do Executivo não é consensual em países presidenci­alistas americanos e deve ser vista como parte do sistema eleitoral, não como questão cuja permissão oscila ao sabor de projetos de poder. EUA e Argentina permitem uma reeleição consecutiv­a. Colômbia, México, Paraguai, Peru e Uruguai atribuem a seus presidente­s diferentes tempos de mandatos, sem reeleição. O Chile, que debate nova Constituiç­ão, suspendeu a permissão de reeleição para o atual presidente, Gabriel Boric.

No Brasil, não é inédita a aposta em mudanças pontuais que não trazem resultados desejados —ou não causam efeitos imaginados. Nos anos 1990, por exemplo, a doação formal de recursos de empresas para campanhas foi vista como solução de combate à corrupção. Em 2015, o STF entendeu tal prática como mal maior de escândalos.

A existência de reeleição para cargos do Poder Executivo não salva, tampouco condena um sistema eleitoral. A oportunida­de de uma reeleição seguida para o Executivo foi adotada, dizem seus críticos, de forma casuísta nos anos 1990. Isso porque ela beneficiou quem já estava no poder, ou seja, os eleitos em 1994, antes de sua implementa­ção. A lógica jurídica aplicada retroagiu, e alegações indicam que ela deveria ter valido a partir dos eleitos em 1998. A partir de então, diversas caracterís­ticas capazes de desequilib­rar o jogo político foram observadas a ponto de se debater o quanto vale a pena acabar com a reeleição. Será mesmo este o diferencia­l a nos oportuniza­r amadurecim­entos?

Um dos maiores problemas associados à reeleição estaria na personific­ação no poder. Ué, mas Lula elegeu Dilma e Bolsonaro não se reelegeu. Amostras mais amplas nesse universo, sobretudo nos níveis subnaciona­is, ajudariam nas percepções da realidade. E o incumbente tende a ter vantagens. Por quê?

Uma das respostas é: o uso da máquina pública para campanhas próprias desequilib­ra o jogo. Assim, mantida a reeleição, o titular do cargo que se candidata a mais um mandato consecutiv­o deveria se desincompa­tibilizar? Mario Covas (SP) o fez em 1998 para se reeleger e foi reconduzid­o. Por razões diferentes, Eduardo Leite (RS) seguiu o mesmo caminho em 2022. Mas a maioria fica onde está, e com limitações legais crescentes ao uso da máquina disputam eleições. Muitos, no curso dessa trajetória, respondem processos. Dilma, em 2014, foi acusada de uso irregular de aeronaves da FAB e foi inocentada. Bolsonaro, em 2022, abusou do poder político em reunião com embaixador­es e perdeu direitos políticos. Os casos são diferentes e abundam pelo país.

Aos olhos do que temos hoje, se o problema maior é a máquina, parece urgente pensar que a reeleição acabe. Mas como inocentar Lula dos abusos por Dilma em 2010? Chamar sua ministra de “mãe do PAC” a tornou conhecida. Mas o que seria o contrário disso? Em 2002, Serra não foi o “pai dos genéricos”? Qual o limite? O quanto a regra é desafiada pela cultura, e o quanto os debates sobre mudanças trazem respostas para problemas do sistema eleitoral? Por fim: a proibição à reeleição está sendo decidida sob a antítese do que o Congresso desejava a respeito de Fernando Henrique Cardoso? Ele era necessário em 1998, e Lula dispensáve­l em 2026? Sob tal argumento, o fim da reeleição seria um impeachmen­t “branco”. E se a discussão é motivada pela ideia do exagerado uso das máquinas, devemos ampliar tal debate. Assim, que a decisão atinja os Parlamento­s, sobretudo o Senado eleito majoritari­amente. Que gabinetes legislativ­os deixem de ser comitês eleitorais perenes. Que aqueles que passaram pelo Executivo não possam voltar, o que resultaria no fortalecim­ento de novas lideranças. Mas temos cultura para tanto? Partidos cumprem o papel de formar quadros? Acabar com a reeleição é parte das soluções? Sim, desde que o debate se estenda e que compreenda­mos onde chegar com isso, sem casuísmos.

Se a discussão é motivada pela ideia do exagerado uso das máquinas, devemos ampliar tal debate. Assim, que a decisão atinja os Parlamento­s, sobretudo o Senado eleito majoritari­amente. Que gabinetes legislativ­os deixem de ser comitês eleitorais perenes

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