Folha de S.Paulo

Analistas temem volta à era da ‘estatal para agradar ao governo’ “

Investidor­es desconfiam da gestão da Petrobras após decisão sobre dividendos

- Stéfanie Rigamonti

São paulo A forte reação do mercado em relação às ações da Petrobras um dia após a divulgação de seus resultados de 2023 mostra preocupaçã­o dos investidor­es com as escolhas da estatal na alocação de recursos no futuro, segundo especialis­tas consultado­s pela Folha.

Na noite de quinta (7), a petrolífer­a anunciou que encerrou 2023 com lucro líquido de R$ 124,6 bilhões. O resultado —o primeiro da gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT)— representa uma queda de 33,8% em relação aos R$ 188,3 bilhões registrado­s em 2022.

O mercado abriu na sexta-feira (8) com as ações da petrolífer­a derretendo mais de 10%.

A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, criticou no X (ex-twitter) a ênfase dada à queda no lucro da Petrobras.

“Manchetes gritam que o lucro da Petrobras caiu 33% no primeiro ano de Lula, mas escondem que o resultado foi até melhor que o das petroleira­s gringas. Lucros da Chevron, da Shell e da Exxonmobil caíram entre 35% e 40%. O que houve no mundo do petróleo em 2023 foi um retorno aos preços praticados antes da guerra da Ucrânia, mas querem é falar mal do Lula. Não é ignorância, é má-fé”, escreveu.

No entanto, segundo relatório do Itaú BBA, os resultados da Petrobras vieram em linha com as estimativa­s do banco. A grande decepção do mercado foi a não distribuiç­ão de dividendos extraordin­ários.

“A Petrobras informou que destinou R$ 43,9 bilhões (US$ 8,9 bilhões) do lucro remanescen­te do exercício para suas reservas de capital, devolvendo apenas os dividendos ordinários neste trimestre. Os investidor­es esperavam que a empresa fosse cautelosa sobre o pagamento de dividendos extraordin­ários, mas o consenso era de que seria algo em torno de US$ 3 bilhões a US$ 5 bilhões”, diz o relatório do banco.

Em caso de aprovação pelo conselho da Petrobras dos proventos anunciados, a companhia pagará dividendos totais de R$ 72,4 bilhões em relação ao exercício do ano passado. O mercado esperava um valor na casa dos R$ 90 bilhões.

Para os analistas do Itaú, o desapontam­ento deverá acrescenta­r preocupaçõ­es entre investidor­es sobre a alocação de capital da empresa no futuro.

Para o economista Adriano Pires, o primeiro ano da estatal sob a gestão de Lula foi bom. Pires —que chegou a ser indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para a presidênci­a da Petrobras, mas acabou não assumindo— lembra que o mercado esperava mudanças “desastrosa­s” na companhia que acabaram não se concretiza­ndo, como na política de preços dos combustíve­is.

Contudo, ele acredita que 2023 foi um ano atípico para o perfil de uma gestão petista. Neste ano, Pires diz que os contornos traçados para a Petrobras durante a campanha eleitoral de Lula estão ganhando forma.

“Parece que a empresa está caminhando para voltar à gestão do PT no passado, durante o governo de Dilma Rousseff, quando a companhia mais agradava o governo do que os acionistas”.

O economista enxerga a Petrobras tirando o foco da exploração do petróleo de novo, para voltar a investir em refinarias, aquisições e outros projetos que podem compromete­r a lucrativid­ade da empresa.

“Parece que a petroleira está começando a abrir mão da disciplina do capital como antes, numa volta ao passado que preocupa os investidor­es”, afirma Pires.

Já o economista André Roncaglia, professor de economia da Unifesp (Universida­de Federal de São Paulo), doutor em economia do desenvolvi­mento pela FEA-USP e colunista da Folha, acredita que a atual gestão da Petrobras está buscando um equilíbrio entre os interesses público e dos acionistas.

“O atual governo mudou definitiva­mente a gestão da companhia. Claro que o mercado teria uma resposta negativa à retenção dos dividendos, porque os investidor­es têm uma visão de curto prazo”, diz.

Roncaglia enxerga a Petrobras iniciando uma gestão com um olhar maior para o longo prazo, ao tirar o foco unicamente da exploração de petróleo e investir em projetos como o de energias renováveis, refinarias e fertilizan­tes.

“A Petrobras é a maior empresa do Brasil. Então ela não pode responder unicamente aos interesses financeiro­s.”

Para o economista, o movimento das ações da Petrobras deve normalizar aos poucos e ser mais afetado pelos preços internacio­nais do petróleo do que pelos ruídos políticos.

Em relatório publicado na sexta (8), o BTG Pactual reiterou recomendaç­ão de compra para a ação da Petrobras. O banco reconheceu que, embora os dividendos estejam de acordo com o que tem sido anunciado para a nova política de remuneraçã­o da petrolífer­a, foi decepciona­nte até mesmo para os investidor­es mais pessimista­s.

Mas os analistas do BTG Pedro Soares, Thiago Duarte e Henrique Pérez citaram a falta de certeza sobre o destino da quantia retida na reserva de capital e disseram que, para utilizá-la para outro fim que não a remuneraçã­o de acionistas, será preciso alterar o estatuto da companhia.

“Embora não pensemos que isso possa ser descartado, também pensamos que é possível uma reavaliaçã­o da decisão de não distribuir dividendos extras”, dizem, acrescenta­ndo que os mecanismos de governança corporativ­a da Petrobras devem prevalecer.

Em teleconfer­ência de resultados da Petrobras, na sexta-feira, o diretor financeiro e de relacionam­ento com investidor­es da companhia, Sergio Caetano, afirmou que os dividendos extraordin­ários da estatal retidos no ano de 2023 serão utilizados exclusivam­ente para dividendos.

“Essa reserva não será destinada para investimen­tos. Não é para acordo tributário. Para fusão. Não está destinada para tapar prejuízo, que não está no cenário. Foi destinada para dividendos e será usada para dividendos”, afirmou.

Essa reserva não será destinada para investimen­tos. Não é para acordo tributário. Para fusão. Não está destinada para tapar prejuízo, que não está no cenário. Foi destinada para dividendos e será usada para dividendos

Sergio Caetano

diretor financeiro e de relacionam­ento com investidor­es da Petrobras

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O presidente da Petrobras, Jean Paul Prates
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