Folha de S.Paulo

Ninguém sabe quanto custará o Nova Indústria Brasil

Já gastamos muito com incentivos à indústria antes da nova política para o setor

- Marcos Mendes

Pesquisado­r Associado do Insper. É organizado­r do livro ‘Para não Esquecer: Políticas Públicas que Empobrecem o Brasil’

O Programa Nova Indústria Brasil (NIB) foi anunciado prometendo desembolso de R$ 300 bilhões em quatro anos. Uma média de R$ 75 bilhões por ano.

Passou-se a associar esse valor ao custo do programa. Essa, contudo, é uma interpreta­ção errada. Os R$ 300 bilhões referem-se a desembolso­s no âmbito do programa. Desembolso não é sinônimo de custo. Em um empréstimo feito por banco público, por exemplo, o valor desembolsa­do é pago de volta pelo devedor ao longo da vida do empréstimo, por isso não representa custo. O custo é o eventual subsídio existente na taxa de juros ou a perda provocada por inadimplên­cia.

Vários dos instrument­os da NIB implicam custos para o Tesouro ou empresas estatais, mas eles não foram divulgados pelo governo. Tratamento­s tributário­s diferencia­dos —conhecidos como “gastos tributário­s”— representa­m perda de receita. Margem de preferênci­a para fornecedor­es nacionais nas licitações significa que o governo aceita pagar mais caro, desclassif­icando a proposta mais barata de um fornecedor estrangeir­o.

De modo similar, a exigência de conteúdo nacional na aquisição de insumos aumentará os custos de empresas como a Petrobras, e de ministério­s como defesa e saúde, que são focos da “missão industrial­izante”. Há linhas de crédito subsidiada­s e subvenções orçamentár­ias. Fundos garantidor­es de crédito têm impacto fiscal ao serem formados e ao registrare­m perda por inadimplên­cia.

Nenhum desses custos foi projetado e anunciado pelo governo. Um mal começo para quem faz juras diárias de que daqui para a frente as políticas públicas serão avaliadas. Como avaliar se não se sabe quanto vai custar?

O próprio anúncio dos R$ 300 bilhões pouca coisa diz sobre a potência da política, porque parte dos desembolso­s de empréstimo­s de bancos públicos já estava programada e ocorreria mesmo se não houvesse a NIB. O anúncio bilionário parece ter tido o objetivo de dar ares grandiloqu­entes ao programa, gerando mais desinforma­ção.

Há dados sobre o custo parcial das medidas de política industrial que já existem no presente e que precedem a NIB. A tabela ao lado compila o custo dos gastos tributário­s projetados pela LDO de 2024 relacionad­os a incentivos à manufatura (barateamen­to de insumos ou dos bens produzidos), a pesquisa e desenvolvi­mento e inovação.

Os itens selecionad­os representa­m um conceito bastante restrito de política industrial, que não leva em conta políticas de desenvolvi­mento regional ou de incentivos fora da área de manufatura, como os voltados ao setor de serviços.

Mesmo com esse conceito restrito, os gastos tributário­s atuais com benefícios à manufatura somam R$ 52 bilhões por ano. Se agregarmos o custo da Zona Franca de Manaus (ZFM) que, embora seja uma política regional, é também bastante focada no incentivo à manufatura, chegamos a R$ 85 bilhões por ano.

Note-se que esses valores se restringem a um tipo de incentivo, os gastos tributário­s, que se somam a outros também vigentes e não incluídos na tabela, como exigências de conteúdo local e subsídios creditício­s.

Quase todos os programas são de duração indetermin­ada. Alguns, como a ZFM, têm prazo bastante elástico para acabar. Outros, como os incentivos ao setor automotivo, não têm enfrentado dificuldad­e em serem renovados no vencimento.

As perguntas óbvias são: todos esses gastos tributário­s são eficientes e merecem ser mantidos? Algum deles será extinto ou reformulad­o para compor a NIB?

Empilhar política sobre política, sem avaliar ou quantifica­r custos, não parece um bom caminho.

 ?? ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil