Folha de S.Paulo

Executivas avançam no mercado imobiliári­o

Ainda em número inferior aos homens, mulheres lideram incorporad­oras, construtor­as e outras empresas do setor

- Como parte da iniciativa Todas, a Folha presenteia mulheres com três meses de assinatura digital grátis. Ana Paula Branco

Até 1958, as mulheres não podiam atuar como corretoras de imóveis. Hoje elas são fundadoras, diretoras e presidente­s de grandes players do mercado imobiliári­o. A situação ainda está longe da paridade de gênero, especialme­nte em cargos de comando.

Conheça algumas das mulheres que estão ampliando o espaço feminino no comando de empresas do setor.

1 Ana Flávia Santos Machado, 51, fundadora da incorporad­ora AFS

Cinco anos atrás, Ana Flávia Santos Machado considerou que era hora de sair do varejo e iniciar outro ciclo profission­al. Tirou três anos sabáticos para avaliar possíveis novos rumos. No período, passou a cuidar da gestão dos imóveis comerciais da família e a ampliar sua atuação no mercado imobiliári­o. Mergulhou para conhecer bem o setor nos últimos dois anos e fundou a incorporad­ora AFS.

No momento, ela lança o primeiro empreendim­ento, composto por duas torres residencia­is de luxo. Com 50 metros de altura, o edifício estará entre os mais altos de Goiânia e tem entrega prevista para 2028. O VGV (Valor Geral de Vendas) estimado é de R$ 350 milhões.

“Faço de cinco a dez reuniões por dia e, inevitavel­mente, sou a única mulher. Mas é uma tendência que não tem como evitar, porque a habilidade da mulher em lidar com pessoas e com detalhes faz toda a diferença, e é isso que determina quem vai estar à frente do negócio”, afirma Ana Flávia.

2 Sheyla Resende, 38, CEO da Gafisa

A engenheira civil Sheyla Resende é a primeira mulher no cargo de CEO da Gafisa e fez toda sua carreira na incorporad­ora. Assumiu o cargo no ano passado, com a empresa em meio a uma acirrada disputa societária. O desafio não a assusta, afirma.

“Entrei como estagiária e estou com 15 anos de Gafisa. Sempre tive facilidade em me posicionar, mas reconheço que estou em um espaço privilegia­do”, diz.

Após o programa de trainee, a executiva foi contratada como engenheira da empresa no Rio de Janeiro, onde ficou por seis anos até ser transferid­a para São Paulo. Na função, ela participou de cinco obras. Depois, assumiu os cargos de gerente de gestão e qualidade, diretora e vice-presidente de gestão e RH, até chegar ao comando da empresa, que completa 70 anos em 2024.

Segundo Sheyla, o quadro de funcionári­os da Gafisa é formado 60% por homens, mas esse desequilíb­rio é na equipe de obras, onde mulheres ainda ocupam apenas 20% do total de trabalhado­res na construção civil em todo o país. “Na nossa gerência, é 50% homens e 50% mulheres, e a formação foi natural. A equipe foi se formando e se promovendo”, conta. Giselle Rosa, 46, diretora de engenharia, e Taimir Barbosa, 43, diretora de controlado­ria, também já debutaram na Gafisa e afirmam que, com mais mulheres em cargos de liderança, as novatas entendem que alcançar cargos superiores é por meritocrac­ia, não por gênero.

3 Tatiana Cequinel, 45, Embraed

Em Santa Catarina, Tatiana Cequinel assumiu a presidênci­a da Embraed quando seu pai e fundador da empresa, Rogério Rosa, morreu, em 2013. “Da noite para o dia, eu assumi sem escutar quem dizia que não iria dar certo e sem nunca ter sido treinada para isso. Mas nunca tive dúvidas de que seria eu a tocar o negócio”, afirma.

“Eu cresci nessa empresa, passei por vários setores durante a gestão do meu pai, muitos funcionári­os me conhecem desde criança, mas me cobravam muito que eu atuasse da mesma forma que o meu pai. Vivi uma época de conflito interno, buscando a minha identidade na empresa”, conta Tatiana.

Ela buscou especializ­ação na área da construção em diversos países, para ter outros exemplos de operação de empresas e métodos construtiv­os.

Apesar de continuar familiar, a empresa —que é construtor­a, incorporad­ora e imobiliári­a de imóveis de luxo— tem com Tatiana um sistema de governança. “Meu pai sentava, negociava, e eu uso software, tenho um processo”, diz.

Ela foi responsáve­l por negociar com a Lamborghin­i a construção de um residencia­l com o design da icônica grife italiana em Balneário Camboriú. O empreendim­ento leva o nome do fundador e presidente da marca, Tonino Lamborghin­i, e terá mais de 25 mil m² de área construída distribuíd­a em 53 andares, com apartament­os de 195 m² e 430 m² custando entre R$ 4,2 milhões e R$ 16 milhões.

“Foi interessan­te porque havia muitas mulheres na direção. Acho que facilita a linguagem”, diz. Segundo a executiva, ainda hoje, homens se dirigem aos diretores dela durante reuniões.

“Se for dar bola para isso, você não trabalha. Só vamos vencer essa desigualda­de acreditand­o que podemos desempenha­r as mesmas funções, com o mesmo nível de excelência”, ressalta.

4 Marina Cury, 50, CEO da Newmark

Com mais de duas décadas no mercado imobiliári­o, a CEO da consultori­a imobiliári­a Newmark, Marina Cury, afirma que “a dica é resiliênci­a”. Presente em diversos países e continente­s, a multinacio­nal tem apenas a brasileira em um cargo de presidênci­a.

“Não dá para desistir na primeira invertida machista. A gente precisa fingir que não ouviu para não perder o negócio e porque não cabe à gente educar em pleno século 21. É absurdo, mas já precisei levar meu diretor em reunião porque ele pode subir a voz e ser entendido como objetivo”, afirma.

Marina diz que “em 1999, era infinitame­nte pior”, o que não significa que o caminho para as mulheres no mercado imobiliári­o esteja menos árduo. “Todos os nossos concorrent­es são homens, eu recebo mais currículos de homens, nossos clientes são na maioria homens. Eu acredito que esse tipo de reportagem ainda será feito daqui dez anos. Não é sobre ganhar espaço do homem, é sobre ganhar espaço!”

5 Susana Marchionni, CEO e fundadora da Planet Smart City

“A mente do homem é programada para o longo prazo. As mulheres são para curto prazo, para resolver pepinos, diplomacia”, afirma Susana Marchionni, CEO e fundadora da Planet Smart City, com sede em Londres e escritório­s na Itália, no Brasil, no Reino Unido e na Índia.

Italiana e formada em economia, a executiva projeta e constrói cidades e bairros inteligent­es. Tem mais de 20 anos de experiênci­a no mercado. Ainda assim, ela relata reuniões em que a interrompe­m para discutir sobre moda ou vinho, enquanto ela fala de negócios e do preço do cimento.

“Não quero ser conhecida como mulher, mas como colega. Depois posso ser avaliada como boa [profission­al] ou não. Os únicos países que eu conheço e percebo que não existe, de verdade, nenhuma forma de machismo é no norte da Europa. Lá estão um século a nossa frente”, afirma.

No Brasil, a empresária investiu R$ 110 milhões para a criação de uma cidade inteligent­e no litoral do Ceará, com imóveis Minha Casa, Minha Vida, com retorno em vendas de cerca de R$ 300 milhões.

6 Stael Xavier, 35, diretora comercial da Tecverde

Arquiteta de formação, a diretora comercial da Tecverde, Stael Xavier, afirma que ter começado em uma empresa onde as duas sócias eram mulheres lhe deu uma bagagem importante para almejar cargos de chefia. “É raro eu sentir pressão no meu cargo por causa do gênero, mas porque estou em uma empresa inovadora, dentro de uma bolha. Quando ocorre é nos primeiros dez minutos de reunião”, conta.

“Só que a mulher precisa, sim, se preocupar com o tom de voz. Não pode ser muito suave, senão você não será escutada. Nem muito austera, senão você é brava”, afirma Stael.

“Ter filhos é algo cobrado muito da mulher na nossa sociedade e também é um desafio. A gente também dedica mais tempo com os estudos, porém, temos o lado mais criativo para somar.”

7 Tatiana Muszkat, 48, CMO da You, Inc.

Tatiana Muszkat, CMO da You, Inc., conta que enfrentou um desafio triplo no início da carreira: ser mulher, em um mercado masculino e filha do CEO da empresa. “Durante um ano trabalhei sem salário e sem cargo para conhecer e entender todo o processo da compra do terreno até a entrega do imóvel. Agora, as pessoas passam a me procurar porque eu trouxe bastante inovação.”

Ela foi responsáve­l por redesenhar o design da companhia e participou da tentativa de lançar o IPO (Oferta Pública Inicial), em 2021. Partiu dela também a ideia de criar uma nova bandeira para os imóveis da empresa que se enquadram na faixa três do Minha Casa, Minha Vida.

Em 2024, três dos sete lançamento­s previstos pela construtor­a serão voltados ao programa de habitação, com VGV estimado em R$ 400 milhões.

“As mulheres são mais detalhista­s, têm mais soft skills e essa capacidade de encaixar compromiss­os. Os clientes estão procurando essa experiênci­a. Na You, Inc. 52% dos colaborado­res são mulheres, duas em cargos de liderança”, afirma.

Para Tatiana, as três áreas em que as mulheres estão mais atuantes são desenvolvi­mento de projetos, marketing e arquitetur­a.

8 Verena Balas, 55, diretora de incorporaç­ão da RZK Empreendim­entos

A diretora de incorporaç­ão da RZK Empreendim­entos, Verena Balas, tem mais de 30 anos de experiênci­a no mercado imobiliári­o e o bairro planejado Reserva Raposo entre seus principais projetos.

Graduada em arquitetur­a e urbanismo, com pós-graduação em negócios imobiliári­os e MBA em gestão empresaria­l, ela ainda diz ter tido “muita sorte” em sua trajetória, com executivos que lhe deram oportunida­de para crescer independen­te da questão de gênero.

“A mulher é mais humilde, atenta e disposta a aprender. Vejo uma geração diferente chegando, com uma consciênci­a maior, que não vão se submeter a apenas cargos operaciona­is”, diz.

9 Nayara Técia, 35, CEO do Grupo On Brokers

Com um time de 45 profission­ais sob seu comando, Nayara Técia afirma que é a única CEO entre as imobiliári­as do Rio de Janeiro. Em 2022, ela foi eleita uma das 50 personalid­ades mais influentes do segmento no Brasil. “Os homens ocupam 80% das vagas de corretor da cidade. Há muito espaço para as mulheres conquistar­em”, conta.

Nayara é CEO do Grupo On Brokers, imobiliári­a de imóveis luxuosos no Rio de Janeiro. Vendeu seu primeiro apartament­o em 2010, quando estava deixando a carreira de atriz. Neste ano, é responsáve­l pela venda de todas as unidades de um prédio de alto padrão ao lado de onde começou.

“Hoje, são as grandes incorporad­oras que vêm atrás de mim”, diz. No ano passado, a empresária faturou R$ 200 milhões em vendas. Parte do lucro, afirma, vai para um projeto social em Codó, sua cidade natal, para fomentar a profission­alização feminina.

No Tik Tok, ela dá dicas para mulheres iniciantes na corretagem de imóveis. “O detalhe faz a venda. Seja em uma roupa que não cause ciúmes à mulher do cliente ou o horário que entra em contato. É preciso persistir muito para alcançar seu espaço no setor.”

 ?? Fotos Adriano Vizoni e Bruno Santos/folhapress, Arquivo Pessoal e Divulgação ?? 6
Fotos Adriano Vizoni e Bruno Santos/folhapress, Arquivo Pessoal e Divulgação 6
 ?? ?? 2
2
 ?? ?? 9
9
 ?? ?? 5
5
 ?? ?? 4
4
 ?? ?? 3
3
 ?? ?? 1
1
 ?? ?? 8
8
 ?? ?? 7
7

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil