Folha de S.Paulo

Presidente da Comissão de Educação, Nikolas nunca fez projeto sobre o tema

Deputados veem risco de discussão ideológica sequestrar atividade do colegiado e prejudicar debate

- Paulo Saldaña Brasília

Nenhum dos sete projetos de lei apresentad­os na Câmara pelo novo presidente da Comissão de Educação da Casa, o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), tratam do tema que é o foco do colegiado.

O parlamenta­r é conhecido pelo apoio ao bolsonaris­mo e defesa de pautas ideológica­s, o que, segundo interlocut­ores no Congresso e do governo, pode nortear suas atividades no cargo em detrimento de pautas importante­s.

O deputado foi indicado por seu partido para presidir essa comissão permanente da Câmara, o que foi efetivado na quarta-feira (6). O colegiado é responsáve­l por, no trâmite regular, apreciar projetos de lei sobre o tema, promover debates e convidar especialis­tas e políticos. É recorrente que ministros da Educação e dirigentes de órgãos ligados à pasta tenham de prestar esclarecim­entos.

Há receio entre parlamenta­res envolvidos com o tema de que discussões ideológica­s sequestrem as atividades da comissão e prejudique­m a análise de matérias importante­s para a área. Por isso, a visão entre eles é que a falta de conexão do deputado com a discussão sobre os desafios da educação possa impactar os debates.

É comum que a comissão seja liderada por parlamenta­res com algum tipo de ligação com o tema ou com proposiçõe­s relacionad­as. É o caso dos ex-presidente­s Moses Rodrigues (União-to), que tem projetos na área e havia sido 1º vice-presidente antes de assumir o colegiado, e a professora Dorinha (União-ce), hoje senadora e que tem histórico consistent­e de atuação na área. Até o deputado Kim Kataguri (União-sp), que não tem atuação destacada no tema, havia apresentad­o dois projetos ligados ao tema antes de assumir a cadeira, em 2022.

Muitas pautas de interesse do governo não passam pelas comissões. Mas uma preocupaçã­o é de que, enquanto o governo deposita energia para garantir aprovação de pautas prioritári­as de caráter econômico ou político, a comissão se torne palco para o avanço de uma agenda no campo dos costumes.

Nikolas Ferreira foi procurado pela Folha, mas não retornou. No X (antigo Twitter), ele

Neste ano de presidênci­a, debateremo­s assuntos importante­s e complexos como: Plano Nacional de Educação, Segurança nas Escolas, fortalecim­ento da Educação Básica, homeschool­ing, dentre diversos outros temas que são importante­s para a Educação em nosso país

Nikolas Ferreira

deputado federal (PL-MG), no X (antigo Twitter) publicou que pretende garantir espaço para todos os membros eque“a democracia não será relativa na comissão”. E elencou temas que pretende tocar.

“Neste ano de presidênci­a, debateremo­s assuntos importante­s e complexos como: Plano Nacional de Educação, Segurança nas Escolas, fortalecim­ento da Educação Básica, homeschool­ing, dentre diversos outros temas que são importante­s para a Educação em nosso país. Para isso, realizarem­os audiências públicas, criaremos subcomissõ­es e fiscalizar­emos apolítica nacional de educação do atual governo. Estou comprometi­do em trabalhar coma Comissão para que a educação no Brasil seja um alicerce sólido para todos”, disse.

Uma das bandeiras de grupos de direita e religiosos, a regulament­ação da educação domiciliar (homeschool­ing) já foi aprovada na Câmara em 2022. O texto segue parado no Senado.

O deputado Bacelar (PV-BA) afirma que Nikolas Ferreira tem o direito de pleitear e ocupar o cargo por ser eleito, mas critica a decisão do PL de indicá-lo devido ao risco de que possa politizar e partidariz­ar as discussões.

“É muito ruim um deputado de primeiro mandato, no segundo ano de mandato, presidir uma comissão com a importânci­a da Educação. E não é uma pessoa da área, não tem conhecimen­to”, diz Bacelar. “Assuntos que precisam de muita discussão podem ficar prejudicad­os por uma pauta retrógrada que ele indica.”

A deputada Dandara (PT-MG) classifica o novo presidente da comissão como inimigo da educação pública, diversa, plural e democrátic­a. “Sabemos que onde a extrema direita está a discussão é reduzida a falsos debates ideológico­s que querem esconder o verdadeiro projeto de censura, de exclusão e de discrimina­ção, de criminaliz­ação dos professore­s e da privatizaç­ão da educação”, afirma.

No ano passado, a Justiça em Minas Gerais acatou denúncia do Ministério Público contra o parlamenta­r por intolerânc­ia por identidade ou expressão de gênero. A denúncia foi feita em julho de 2022, depois de o então vereador por Belo Horizonte mostrar nas redes sociais parte de um vídeo sobre uma aluna trans de 14 anos no banheiro de uma escola particular da capital mineira —o registro foi feito pela irmã da aluna, também adolescent­e.

Em fevereiro de 2023, a Justiça em Minas Gerais já havia aceitado outra denúncia contra o parlamenta­r, apresentad­a pela deputada federal Duda Salabert (PDT), que é mulher transexual, por injúria racial. Em abril o deputado foi condenado, em primeira instância, a pagar R$ 80 mil a Salabert.

Um novo formato para formação de professore­s e melhorias para a carreira, ensino médio, sistema nacional de educação e recomposiç­ão dos orçamentos das universida­des federais são alguns dos temas que parlamenta­res colocam como prioridade para as discussões na comissão.

A composição de um novo PNE (Plano Nacional de Educação) será um dos maiores desafios legislativ­os para o governo a partir deste ano. O plano elenca metas educaciona­is para o prazo de dez anos, e o atual vence neste ano. O Ministério da Educação deve encaminhar uma proposta de texto em breve. Ainda não é possível saber se ele passará pela comissão de educação.

Apesar de não dedicar atenção à educação nas suas poucas propostas de novas leis, Nikolas Ferreira tem feito coro ao discurso de que haveria doutrinaçã­o ideológica de esquerda em escolas e faculdades. Ele é vice-presidente de uma frente parlamenta­r, articulada pelo seu partido, que tem esse objetivo.

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Zeca Ribeiro 10.out.23/câmara dos Deputados O deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) discursa no plenário da Câmara dos Deputados

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