Hebe Camargo pediu para falar com meu marido ao telefone
Se um câncer não tivesse atravessado seu caminho em 2012, Hebe Camargo teria completado 95 anos de uma vida esfuziante nesta sexta, 8 de março. Exatamente no Dia da Mulher, que se não foi criado em homenagem a ela, bem que poderia. Teria tudo a ver.
Como assim “vida esfuziante”, se foi vítima de violência doméstica e sofreu por anos com a agressividade e o ciúme exacerbado do marido, Lélio Ravagnani? Pois é aí que entra a Hebe que sabia do poder transformador da autoestima, e não baixava a cabeça jamais. Se havia momentos de fraqueza, de não saber como reagir à altura daquelas barbaridades, ia à luta sem esmorecer. Se divertia no trabalho, nas festas, nos pilequinhos com as amigas da vida inteira, como Lolita Rodrigues e Nair Bello.
Muito antes de o termo sororidade virar moda, Hebe já demonstrava prazer genuíno em ver o sucesso de outras mulheres e em levantar a bola (e a autoestima) delas, fossem celebridades, funcionárias, fãs ou jornalistas.
É famosa a maneira carinhosa, bem humorada e gentil como lidava com profissionais da imprensa. Mais do que isso: às mulheres sempre cabia um elogio, um afago que dava aquele quentinho no coração de que a gente tanto gosta —e muitas vezes, precisa.
Comigo aconteceu há 20 anos, quando fui, pela Folha, cobrir para a coluna de Mônica Bergamo os bastidores de seu programa no SBT. Me juntei às caravanas que lotam a plateia (95% mulheres) no dia em que um dos convidados era o então governador de São Paulo, Geraldo Alckmin.
Hebe morreu de rir quando, num VT, um anônimo pergunta se o atual vice-presidente da República nunca tinha pensado em “usar peruca, fazer um implante, sei lá”.
Sentaram-se em seu sofá também a atriz portuguesa Maria João, além de Frank Aguiar, Alcione, Sandra de Sá e Luciana Mello (que Hebe cismou em chamar de Luciana de Mello). As presenças nem eram o mais importante para quem tinha ido ao programa.
“Não sei quem são os convidados. Venho só por causa dela”, disse a feirante Perpétua Lopes, 48, que contou ser solteira, de certa forma, por causa da apresentadora. “Homem pra casar comigo tem que gostar da Hebe, senão mando passear”. Ela era uma das integrantes da “turma das sete”, grupo de sete mulheres que ia ao programa havia 25 anos.
Perpétua ganhou de Hebe uma cirurgia de redução de estômago. Perdeu 30 kg e só aumentou sua devoção. “Ela é o máximo, não é?”, perguntou, um tiquinho emocionada. Hebe era assim. Virava amiga das fãs, conseguia promover uma genuína sensação de irmandade feminina.
Às vezes, agradava de forma sutil. Foi este o meu caso, num momento da gravação em que escolheu alguém da plateia para presentear com uma cesta de hidratantes de cabelo, gentil oferecimento de um dos patrocinadores.
“Leva para aquela ali de azul”, disse ao assistente, apontando para mim. Tínhamos sido apresentadas rapidamente antes do programa e, ao que tudo indica, ela reparou no meu cabelo ressecado de praia e sol. Hebe queria ajudar. “Melhora isso aí”, era a mensagem subliminar, só para mim. Eu entendi.
Terminada a gravação, fui andando ao seu lado, rumo ao carro no estacionamento do SBT: uma Mercedes prateada com a placa EBE e um número do qual não me lembro. Enquanto ela tirava os sapatos de saltos altíssimos para dar um refresco ao calcanhar em frangalhos, meu celular tocou. Era meu marido.
“Estou aqui com a Hebe”, contei, tirando uma onda. Ela, descalça, perguntou: “É seu marido? Deixa eu falar com ele”.
Tapando o bocal, quis saber, meio que sussurrando, o seu nome. Contei. E ela: “Alô? João Paulo? Olha, eu tô aqui com essa graciiiinha da sua mulher, viu? Com esse ‘zoião’ verde… Cuida bem dela, você tem um diamante em casa”. Eles ainda bateram um papo rápido sobre o programa (“Que bom que você também assiste, que gracinha você”), ela disse, antes de se despedir, mandando “um beijão”.
Não preciso nem contar como me senti bem naquele momento, como fui paparicada por ele logo quando voltei ao Rio. O cara ficou orgulhoso! Afinal, era Hebe quem havia falado. A Hebe das mulheres, que merece todas as reverências neste 8 de março. E sempre.