Osesp abre nova temporada atenta a detalhes
Regida por Thierry Fischer, orquestra teve força e delicadeza em programa dedicado a obras de Beethoven e Brahms
MÚSICA
Abertura da Temporada 2024 da Osesp ★★★★★
Regência: Thierry Fischer. Sala São Paulo - pça. Júlio Prestes, 16, São Paulo. Livre. Sáb. (9), às 16h30. Ingressos esgotados
O tema da temporada 2024, inaugurada nesta quinta-feira, é “Osesp 70 anos”. Mesmo que seja possível pinçar bons momentos na oscilante história antiga da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, nada se compara à revolucionária reformulação liderada por John Neschling, que culminou com a inauguração da Sala São Paulo em 1999.
Sem receio de exagerar, pode-se dizer que são, portanto, 25 anos desde que —a partir do improvável mundo da música clássica— um capítulo de extraordinária força e influência foi aberto nas artes do país.
A própria constância e regularidade dessas temporadas, incomparáveis a quaisquer outras entre nós em quantidade, diversidade e qualidade dos espetáculos, passa a ser em si motivo de celebração.
E se o marketing da instituição às vezes procura chamar a atenção para o que é acidental ao mundo da música, os músicos, conduzidos pelo regente titular Thierry Fischer, trabalham com serenidade e concentração sobre o essencial.
De fato, quem olha para o programa apresentado no primeiro concerto da temporada de assinaturas não encontrará alimento algum para efeitos pirotécnicos. A “Missa em Dó Maior, Op.86”, de Beethoven, com os seus cinco movimentos cantados em latim —e a participação do Coro da Osesp, juntamente com os solistas Susanne Bernhard, Luisa Francesconi, Werner Güra
e Paulo Szot— e a “Sinfonia nº1”, de Johannes Brahms.
Fischer tem coragem para segurar certos andamentos, mas o faz porque tem detalhes a oferecer. O ataque inicial do “Glória” foi assombroso, síntese de força com delicadeza.
O fugato do “Credo” foi ágil, com as vozes agudas do coro extremamente arredondadas. Nada do que é tocado é apenas o retrato de um estilo. A Osesp não quer mais deixar nada passar em branco, nem frase secundária, nem mudança harmônica alguma.
A interpretação da “Primeira Sinfonia” de Brahms é um ótimo exemplo do que se pode esperar para o ano. Com violas, violoncelos e contrabaixos posicionados em um eixo diagonal, da direita para a esquerda do palco os graves saem todos compactados.
No primeiro movimento, cordas e madeiras ressoaram umas sobre as ressonâncias das outras, de modo perfeitamente equalizado. A percepção temporal nada tem a ver com a velocidade —a duração foi de aproximadamente 45 minutos, mas a sinfonia fluiu sem uma única falha de continuidade, em performance comparável à das melhores orquestras internacionais.
Quanto mais escutadas com atenção, mais complexas parecem ser as sinfonias de Brahms. A modernidade de Brahms é frequentemente constatada em seu tratamento da forma, onde nada é fixo e cada elemento está sempre em constante transformação.
Mas a interpretação da Osesp mostra que há ainda mais do que isso. Reina em sua escrita uma “gentileza criativa”, que prepara cuidadosamente cada nova seção, que deve emergir naturalmente, sem ansiedade.
A Osesp tocou assim. Há uma forma estrutural, ela está em seu devido plano, mas não precisa ser enfatizada, o que permite que cada frase desabroche a partir de si mesma, com liberdade, em tempo próprio, como uma viagem que se descola do roteiro.
No segundo movimento, os solos dos diversos instrumentos —flauta, trompa, violino— de fato conduziram livremente a trama e, no quarto movimento, o efeito sonoro dos “pizzicati” (cordas tocadas sem o arco) foi primoroso —não apenas pela precisão, mas pela sutileza nas variações de andamento.
Brahms será um dos temas centrais da temporada. Serão apresentadas as suas quatro sinfonias, os dois concertos para piano e orquestra, o “Concerto para Violino, Op. 77” e a “Canção do Destino, Op. 54”, entre outras obras. Se o nível da estreia for mantido, poderemos ter de fato um ciclo de referência.