Folha de S.Paulo

Documentár­io vê luta por justiça após estupro

Indicado ao Oscar, ‘To Kill a Tiger’ retrata caso que ocorreu em estado da Índia onde brasileira foi vítima do mesmo crime

- Fernada Ezabella

Num país onde uma mulher é estuprada a cada 18 minutos, o crime contra uma garota de 13 anos chamou a atenção na Índia por outro motivo —seu pai a defendeu e foi atrás de justiça. O longo e doloroso julgamento de 14 meses foi registrado em duas horas de filme, indicado ao Oscar de melhor documentár­io.

“To Kill a Tiger” conta a saga de Ranjit, um plantador de arroz tomado de culpa pelo estupro coletivo da filha, no casamento de seu sobrinho, em 2017. A família mora numa vila rural de 110 mil habitantes no distrito de Ranchi, no estado de Jarcanda, leste do país.

É o mesmo estado onde uma turista brasileira foi estuprada por sete homens neste mês.

Como se não bastasse o tema, o documentár­io revira ainda mais o estômago com a reação dos moradores da vila. Eles pressionam e ameaçam Ranjit para que não processe os três adolescent­es criminosos, presos no dia seguinte.

A proposta da comunidade é que a garota se case com um dos estuprador­es. No julgamento, a advogada de defesa culpa a vítima por “dançar com seus amigos” e diz: “Aqui é Jarcanda. Não é o Ocidente. Aqui não posso confiar nem mesmo no meu filho”.

A diretora Nisha Pahuja diz que o filme surgiu durante uma pesquisa sobre masculinid­ade que fazia para uma ONG indiana. Foi quando ela conheceu o caso de Ranjit, uma raridade num país em que 90% dos estupros não são reportados.

A equipe do filme chega a ser expulsa, levantando a questão sobre o quanto a presença das câmeras ajudou a azedar o clima entre os moradores .

“Achei que fazia sentido mostrar esse embate para criar transparên­cia e honestidad­e com o público. E para dizer que isso é o que significa fazer um documentár­io”, disse Pahuja num painel de indicados ao Oscar, em Los Angeles.

A diretora, que nasceu na Índia e foi criada no Canadá, afirma que não queria fazer julgamento de ninguém.

“Depois de tantos anos trabalhand­o e morando na Índia, percebi que eu realmente não tenho direito de julgar o processo de pensamento, a cultura, o jeito de ser ou as ideias que são estrangeir­as para mim ou que são eticamente desafiador­as”, afirma Pahuja.

Hoje a vítima está com 20 anos e saiu da vila para continuar estudando. Algumas semanas atrás, passou no exame da Academia de Polícia. “Desde os 13 ela decidiu que queria ser policial”, diz a diretora.

A equipe se debateu com a questão de mostrar ou não seu rosto no documentár­io e deixou que ela mesma tomasse a decisão. “O filme levou anos para ficar pronto, e, no final, ela já tinha 18 anos. Então começamos a ter essa conversa com ela e mostramos o corte final. Ela deixou.”

Os acusados se declararam inocentes e acabaram condenados a 25 anos de prisão, a mais longa sentença já dada para um crime de estupro no estado. Eles cumprem a pena, mas entraram com recurso.

Já Ranjit vai bem. “É meu convidado no tapete vermelho do Oscar no domingo”, diz Pahuja. Os documentár­ios indicados ao Oscar deste ano são todos estrangeir­os. “To Kill a Tiger”, apesar de disponível nos Estados Unidos, ainda não pode ser visto no Brasil.

To Kill a Tiger Canadá, 2022. Dir.: Nisha Pahuja. Sem previsão de estreia no Brasil

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Divulgação Cena do documentár­io ‘To Kill a Tiger’
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