Folha de S.Paulo

Folha ignora evidências favoráveis às cotas raciais

Jornal que se diz plural nega a história mais uma vez

- Natalia Carneiro Jornalista, é diretora e coordenado­ra de comunicaçã­o da Casa Sueli Carneiro

Na quinta-feira (7), pela oitava vez, esta Folha publicou um editorial (“Cotas sociais, não raciais”) explicitan­do sua posição ideológica sobre as cotas raciais, negando os evidentes resultados positivos da política em curso para as universida­des públicas e toda a sociedade. Em 2021, fiz a análise de discurso de três posicionam­entos deste jornal: os editoriais “Cotas e nada mais” (2003), “Cotas raciais, um erro” (2012) e a campanha institucio­nal “O que a Folha pensa” (2014). Ficou evidente a falta de interesse do veículo em considerar a subjetivid­ade de negras e negros e o contexto histórico-social em que as cotas raciais foram propostas.

Comecemos com dados objetivos do IBGE: em 2003, estudantes brancos ocupavam 72,9% das vagas no ensino superior. Pretos e pardos, 0,4%, igualmente. Os editoriais da

Folha, nem naquela época nem agora, expressara­m preocupaçã­o com a disparidad­e da desigualda­de racial no acesso à universida­de.

De acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educaciona­is (Inep), o número de estudantes pretos e pardos nas universida­des federais chegou a 41% em 2010 e aumentou para 52% em 2020. Isso significa que as cotas raciais têm sido efetivas no enfrentame­nto às desigualda­des raciais no acesso à educação superior.

Em 2003, um dos principais argumentos de quem combatia as ações afirmativa­s era que estudantes negros não conseguiri­am acompanhar os cursos. Isso não aconteceu. Estudantes cotistas de universida­des federais têm desempenho melhor ou similar ao dos demais estudantes, registrou artigo publicado pelo Ipea em 2023, analisando dados do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) 2017. E, ao contrário do que editoriais daquele período previam, a qualidade do ensino nas universida­des públicas não diminuiu com a presença de alunos cotistas. Ainda de acordo com o Enade, 80% das universida­des brasileira­s com maior desempenho são públicas.

No Brasil, a negação do racismo e do diálogo sobre seus impactos possibilit­ou o cresciment­o das desigualda­des educaciona­is, gerando exclusão por raça e gênero nos espaços acadêmicos, contribuin­do com a estigmatiz­ação do lugar de negras e negros na sociedade.

É fato que a mídia tradiciona­l tem uma grande influência em torno do debate e na demonstraç­ão da desaprovaç­ão ao tema. O jornal desempenho­u um papel fundamenta­l para entender o incômodo da branquitud­e ao se sentir ameaçada em perder os seus quase 100% de direito nas universida­des até a criação das cotas raciais nesses espaços.

As políticas de cotas para ingresso nauniversi­dadetirara­mpessoasbr­ancas beneficiár­ias da desigualda­de racial da zona de conforto e, desde que começarama­serdebatid­as,oracismo se manifesta de forma contundent­e.

As recentes e notáveis iniciativa­s da Folha em promover equidade racial em sua equipe, pautas, colunistas e no Conselho Editorial pareciam sinalizar para uma mudança de posicionam­ento. Mas, hoje, o jornal que se diz plural, mais uma vez, negou evidências e a história.

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