Moraes acumula relatorias em 5 anos por meio de 3 inquéritos principais
Investigação sobre fake news aberta em 2019 justificou condução do ministro de casos relacionados
SÃO PAULO Desde que foi designado relator do inquérito das fake news, há cinco anos, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes acumula uma série de relatorias de casos de relevo na corte envolvendo desinformação e ameaças à democracia, servindo como justificativa inquéritos que já estão sob sua responsabilidade.
As investigações mais citadas para declarara distribuição por prevenção—quando não há sorteio entre os ministros— são o inquérito das fake news, o das milícias digitais e o inquérito dos atos antidemocráticos de 2021, segundo levantamento da Folha.
Dentre os três inquéritos, nenhum chegou à relatoria doele por sorteio. Os próprios inquéritos das milícias digitais e dos atos de 7 de setembro de 2021 foram distribuídos por prevenção. Já o inquérito das fake news foi aberto de ofício, em março de 2019, e teve o relator escolhido pelo então presidente do STF, Dias Toffoli.
O levantamento levou em consideração, quando disponíveis, os dados nas certidões de distribuição ou no andamento do processo no tribunal. Nos demais casos, especialmente nos sigilosos, foram consideradas informações em decisões.
Em regra, procedimentos são distribuídos de modo aleatório. O Código de Processo Penal, no entanto, traz algumas exceções. Um adela sé a conexão probatória, quando aprova de uma infração tem influência na prova de um outro delito. Outro caso é quando as infrações são cometidas ao mesmo tempo por várias pessoas reunidas ou quando as pessoas contribuíram para determinado crime.
A prevenção, por sua vez, se dá quando um juiz já tiver antecedido aos outros na prática de algum ato do processo ou medida relacionada a ele.
Especialistas em direito penal consultados pela Folha avaliam que uma das principais dificuldades em avaliar se há de fato prevenção nos casos em questão, por causa de conexão entre as provas, por exemplo,éoaspec to sigiloso de vários dos procedimentos.
Com base no inquérito das fake news, Moraes se tornou relator de outras petições e inquéritos, entre eles está o inquérito aberto após pedido do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) para que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) fosse investigado por suposto vazamento de dados sigilosos de uma investigação sobre um ataque hacker contra a corte em 2018.
Também justificou a relatoria do ministro em investigação instaurada após pedido da CPI da Covid contra o então mandatário enas apurações sobre condutas indevidas na Abin (Agência Brasileira de Inteligência ).
Conexão com o inquérito das fake news foi ainda utilizada na distribuição de investigação contra Google e Telegram instaurada em 2023 após medidas destas empresas contra o PL das Fake News.
Já no inquérito dos atos antidemocráticosaberto em abril de 2020, ape dido dapgr( procuradoria-geralda república ), a definição foi por sorteio. Foi com base nesta apuração que moraesse tornou também relator do inquérito das milícias digitais.
Em um drible à PGR, ele arquivou a investigação como solicitado pelo órgão, mas abriu em se quência um anova e usando ocaso arquiva dopara justificara relatoria.
Éa este inquérito que estão vinculadas diferentes frentes de investigação envolvendo o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, como a de adulteração de cartões de vacina e das joias da Arábia Saudita. Também foi por prevenção a ele que Moraes relata petição sobre trama golpista, em que autorizou a Operação Tempus Veritatis.
Moraes é também relator dos diferentes inquéritos instaurados para apurar os ataques golpistas do 8 de janeiro, em que a prevenção foi justificada devido ao inquérito dos atos antidemocráticos do 7 de setembro de 2021. Foi nele, inclusive, que Moraes expediu as primeiras ordens, horas após o episódio, como a de desocupação dos acampamentos em frente a quartéis e de afastamento de Ibaneis Rocha do governo do Distrito Federal.
Aberto mirando personagens como o cantor Sergio Reis e o caminhoneiro Marco Antônio Pereira Gomes, conhecido como Zé Trovão, hoje deputado federal pelo PL-SC, a relatoria desta apuração foi para Moraes com base em uma petição sigilosa.
Em voto do ministro André Mendonça sobre a competência do Supremo para julgar o 8 de janeiro, o magistrado diz que tal petição teve a prevenção gerada pelo inquérito das milícias digitais —a Folha questionou o STF a respeito da distribuição da petição, mas não teve resposta.
Em votação sobre o 8 de janeiro, os ministros André Mendonça e Kassio Nunes Marques foram os únicos a avaliar que o Supremo não era competente para julgar os casos, mas sim a Justiça Federal.
Renato vieira, que é advogado e presidente do ibc crim( instituto Brasileiro de Ciências Criminais ), vê como problemática a própria sistemática da figura da prevenção .“isso faz com que o primeiro juiz se torne tendencialmente o único juiz dos fatos correlato saquele primeiro .”
Segundo ele, de modo geral, os tribunais não detalham mui toas pro vasque embasam a especialmente em investigações complexas.
Quanto a essas investigações tramitando no STF sob a relatoria de Moraes, ele vê oque pareces e ruma excessiva ramificação dos inquéritos em petições, oque possibilita, aseu ver, tornar ainda mais difícil haver uma compreensão do todo da apuração pelos investigados. Além disso, vê com dificuldade enxergar conexão em alguns casos, como entre a falsificação de cartão de vacina e o inquérito das milícias digitais.
Marina Coelho Araújo, advogada criminalista e conselheira do IASP (Instituto dos Advogados de São Paulo), explica que as exceções à distribuição livre dos processos buscam a eficiência e a economia processual.
Nos casos em questão, ela aval iaque precisaria de uma maior transparência, porque nem todas as investigações parecem ser conexas, sendo preciso, nesta hipótese, separá-las e distribuí-las livremente .“Senão tem conexão não tem prevenção.”
Um exemplo que ela cita como estranhoé oda CPI da Co vide a investigação sobrefake news. “São questões que, em algum momento, elas se interligam porque tiveram fake news relacionadas a Covid, mas os fatos são muito diferentes”, diz.
Já Helena Regina Lobo, que é advogada e professora de direito penal da USP, afirma que a falta de transparência de parte dos processos dificulta a análise sobre se há ou não prevenção. Mas pondera que, apesar de o escrutínio público ter este entrave, a validação dos demais ministros para que Moraes continue na relatoria é elemento relevante.
“É possível que essa conexão exista mesmo, mas agente não tem isso demonstrado de forma pública por conta ainda do sigilo, porque essa investigação ainda está em curso.”