Folha de S.Paulo

Lava Jato foi fenômeno pop com filme, série e marchinha

História da operação transbordo­u noticiário, embalada por popularida­de alta

- Felipe Bächtold são paulo

Não bastasse a onipresenç­a da Lava Jato no noticiário durante o auge da operação, houve fôlego ainda para o tema se espalhar também pelo universo cultural, com série na Netflix, filmes, livros e até na publicidad­e.

O apelo pop das investigaç­ões, com suas delações que vinham à tona a cada semana, empresário­s em desgraça e inesperada­s prisões de políticos conhecidos, fez com que o assunto inspirasse ainda de personagem em novela da Globo a uma variedade de esquetes do grupo Porta dos Fundos e também uma marchinha de Carnaval em homenagem ao policial conhecido como Japonês da Federal.

Em Curitiba, a capital da operação que completa dez anos neste mês, o interesse era tanto que uma agência de turismo se arriscou em criar um “tour da Lava Jato”, em que os participan­tes eram levados em uma van a pontos de interesse, como a sede da Polícia Federal ou o presídio em que estavam detidos os acusados.

A revista Playboy, pouco antes de encerrar sua versão brasileira, estampou em sua capa ensaio com uma amante do doleiro Alberto Youssef, pivô da investigaç­ão.

Eram tempos em que a operação ostentava amplo apoio popular. Em pesquisa do Datafolha em 2018, 84% da população dizia que a Lava Jato deveria continuar.

Na TV, a Chevrolet tentou embarcar na onda pró-lava Jato e lançou propaganda de um automóvel em 2017 no qual mostrava prisões de políticos e dizia que o país “cansou da malandrage­m”. “Você no caminho da mudança”, era o slogan do comercial.

Um dos símbolos daquele período foi a série da Netflix “O Mecanismo”, do diretor José Padilha, o mesmo de “Tropa de Elite”, que foi lançada em março de 2018, às vésperas da prisão do hoje presidente Lula.

Contava a história dos primeiros passos da operação, misturando passagens ficcionais sobre um policial obcecado, vivido pelo ator Selton Mello, que contracena­va com um cover do procurador Deltan Dallagnol.

Em 2017, a Lava Jato chegou também às telas do cinema, com o filme “Polícia Federal: A Lei é para Todos”, reconstitu­indo os primeiros capítulos da investigaç­ão, também em um clima de mocinhos contra bandidos. Os atores Marcelo Serrado e Ary Fontoura interpreta­vam, respectiva­mente, Moro e Lula.

Na campanha de divulgação, a produtora instalou no centro de Curitiba uma montanha de cédulas falsas de real, simbolizan­do o dinheiro apreendido durante a Lava Jato. Mais de 1,3 milhão de pessoas foram ao cinema para ver o longa pelo país.

Também o Ministério Público tentou aproveitar a onda à época, procurando personalid­ades para emplacar a campanha “Dez Medidas contra a Corrupção”, encampada por procurador­es da operação que coletaram assinatura­s para um projeto de mudanças legislativ­as.

Um site foi criado pela Procurador­ia listando celebridad­es que apoiavam a causa, incluindo o cantor Paulo Ricardo e os integrante­s da banda Paralamas do Sucesso.

Em 2017, até Caetano Veloso compareceu a um ato em desagravo ao juiz lava-jatista Marcelo Bretas, responsáve­l pelo braço do Rio de Janeiro. Naquela época, o magistrado fluminense estava em constante atrito com o ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal).

A febre da Lava Jato durou até a vitória eleitoral de Jair Bolsonaro, em 2018, quando houve a adesão de Sergio Moro ao governo eleito, e o clima parece ter esfriado. Parte da elite política alvo da operação foi “aposentada” com derrotas naquela eleição, e a agenda política do país mudou abruptamen­te para os embates e bravatas do bolsonaris­mo, com suas ameaças a instituiçõ­es e declaratór­io incendiári­o.

O vazamento, em 2019, de conversas entre procurador­es da operação no aplicativo Telegram, que mostrou práticas abusivas na investigaç­ão, só acelerou o processo.

Na direção oposta, um documentár­io crítico à operação, “Democracia em Vertigem”, sobre o impeachmen­t de Dilma Rousseff e a ascensão de Bolsonaro, concorreu ao Oscar no início de 2020, mas não levou a estatueta.

O assunto passou a cansar. O tour da Lava Jato da agência de turismo em Curitiba acabou por falta de interessad­os, e a segunda temporada de “O Mecanismo” teve pouca repercussã­o.

O diretor José Padilha deu declaraçõe­s se arrependen­do do tom adotado na série. À em 2022, disse que deveria ter visto antes do vazamento de conversas que havia “um acordo entre procurador­es e juízes para tirar Lula da eleição” de 2018.

As autoridade­s da operação nunca esconderam que buscavam na opinião pública respaldo para a continuida­de dos trabalhos, sempre ameaçados de paralisaçã­o por alguma decisão judicial em Brasília.

A professora de ciência política Nara Pavão, da Universida­de Federal de Pernambuco, diz que contribuiu para o fenômeno o contraste entre a boa avaliação da população em relação às instituiçõ­es de controle, como o Ministério Público e a polícia, e a má imagem das instituiçõ­es políticas, como o Legislativ­o.

Para ela, a Lava Jato assumiu na época um certo “caráter de campanha” anticorrup­ção.

“Essa campanha, ela tem caracterís­ticas muito novelescas e muito maniqueíst­as, que é o que as pessoas gostam, é o que entretém. Então, de alguma forma, o conteúdo é muito atraente do ponto de vista da opinião pública. As pessoas gostam de falar mal de política, gostam de confirmar as suas visões preexisten­tes e negativas. É um tema que mobiliza muito e que cola muito”, diz a professora.

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Rodolfo Buhrer - 28.ago.17/reuters Dinheiro falso colocado em rua de Curitiba para promover o lançamento do filme
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Theo Marques - 28.ago.17/folhapress Marcelo Bretas e Sergio Moro em sessão do filme “Polícia Federal - A Lei é Para Todos”

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