Folha de S.Paulo

Visitas a Villas Bôas colocam ex-comandante de volta à cena

General foi procurado por autoridade­s no turbulento mês anterior ao 8 de janeiro

- Fabio Victor e Cézar Feitoza brasília

O general Eduardo Villas Bôas anda distante doX(antigoTwit ter ), masa reverência de seus pares e o simbolismo político do ex-comandante do Exército continuam presentes em momentos turbulento­s da história recente do país.

As investigaç­ões sobre a tentativad­e um golpe por parte de Jair Bolsonaro e correligio­nários para impedira posse de Lula trouxeram à tona mais detalhes sobre visitas de autoridade­s políticas e militares a Villas Bôas em dezembro de 2022 —mês que antecedeu os ataques de 8 de janeiro e no qual, segundo a Polícia Federal, foi engendrada a trama golpista.

Entre os elementos que embasam o relatório da PF sobre a Operação Tempus Veritatis há uma mensagem encaminhad­a pelo general Walter Braga Netto ao capitão Ailton Barros em 17 de dezembro de 2022 criticando o general Tomás Ribeiro Paiva —na época chefe do Comando Militar do Sudeste, hoje comandante do Exército— por uma visita a Villas Bôas na véspera.

“O Tomás foi no VB, ontem...e aí...acredite... ele deu uma mijada no VB e na Cida!”, diz o texto, em referência à esposa de Villas Bôas. “Terminou dizendo que os dois serão prejudicad­os com as intervençõ­es ‘sem noção’ que estão fazendo... na saída, ele resolveu abrir o jogo e falou mal de todo o ACE [Alto Comando do Exército]. (...) Parece até que ele é PT, desde pequeninin­ho...!”.

A mensagem afirma ainda que Tomás “nunca valeu nada!!”. “A ambição derrota o caráter dos fracos. Aliás...revela. Ele ainda meteu o pau no Paulo Sérgio [ex-comandante do Exército e ex-ministro da Defesa], disse que ele tem que ficar quieto! A Cida ficou louca. Se retirou da sala. Pra não botar o artista pra fora! Na verdade o VB tinha paixões discutívei­s… Fernando… Tomás”.

Braga Netto, ex-candidato a vice de Bolsonaro pelo PL, confirmou a interlocut­ores que os prints do relatório da PF são de uma conversa dele com o capitão Ailton (expulso do Exército por malfeitos após punições disciplina­res), mas alega que não foi o autor do texto desancando Tomás —diz que o recebeu de terceiros e o encaminhou.

Já naquela época surgiu em grupos bolsonaris­tas o rumor de que Tomás tinha ido pressionar Villas Bôas e a esposa para não aderirem a conspiraçõ­es golpistas. Circulavam na internet um vídeo em que Cida foi saudada no acampament­o golpista em frente ao quartel-general do Exército em Brasília e outro em que passou no local dentro de uma van com vidros escuros e fez um gesto de que o marido estava na parte de trás do veículo.

Se por um lado era celebrada por muitos integrante­s do Exército, a presença de Cida no acampament­o virou um estorvo para parte dos generais. Estes avaliavam que os vídeos inflamavam ainda mais os radicais enquanto a maioria do Alto Comando do Exército atuava nos bastidores para comunicar que não endossaria uma ruptura institucio­nal.

Tanto Tomás quanto Villas Bôas negaram que o motivo da visita foi aquele propalado à época, bem como qualquer mal-estar entre os dois.

“O general Villas Bôas me mandou recentemen­te umzap falando assim: ‘Pô, você é meu amigo, irmão, parente, filho. A relação que eu tenho com ele é de cadete, meu comandante de companhia. Foram botar essa porcaria, que eu fui chantagear o general Villas Bôas, uma mentira sórdida”, afirmou Tomás em uma palestra fechada para oficiais do Comando Militar do Sudeste em janeiro do ano passado, cujo áudio foi divulgado pelo podcast Roteirices.

Villas Bôas foi instrutor de Tomás na Academia Militar das Agulhas Negras, e, quando comandou o Exército, de 2015 ao final de 2018, o nomeou chefe de gabinete. Em seu livro de memórias, o ex-comandante afirma sobre seu ex-cadete: “Tomás é certamente, num círculo bem estreito, o mais completo oficial que eu conheci”.

No tumultuoso final de 2022, Bolsonaro e Braga Netto também foram à casa de Villas Bôas pelo menos duas vezes: em 7 de dezembro, horas antes da reunião em que, segundo a PF, o então presidente apresentou uma minuta golpista aos comandante­s militares, e em 20 de dezembro.

Militares que trabalhara­m com Bolsonaro dizem que o ex-presidente foi consultar Villas Bôas sobre a conjuntura política da transição e pedir uma espécie de bênção para os planos golpistas.

Amigo de infância de Villas Bôas e chefe do Estado-maior do Exército quando o colega comandou a corporação, o general Sergio Etchegoyen considera uma “canalhice” a difusão dessa história. “Quem é que vai ouvir esse cara para saber aversão dele ?”, indagou.

Etchegoyen se refere à condição de saúde de Villas Bôas, que sofre de ELA (Esclerose Lateral Amiotrófic­a), uma doença degenerati­va. O ex-comandante se locomove com cadeira de rodas e não consegue falar. Comunica-se com o auxílio de um programa no qual consegue digitar a partir do movimento dos olhos —o texto então pode ser transforma­do numa voz mecânica.

É desse modo que nos últimos tempos trocava mensagens por aplicativo­s com amigos —com a ajuda de uma secretária e de familiares— e até conversava com os que iam visitá-lo. Interlocut­ores do ex-comandante relatam que esses contatos têm sido menos frequentes nos últimos meses.

Etchegoyen diz que há muito tempo não conversa com Villas Bôas (o primeiro mora em Novo Hamburgo-rs e o segundo, em Brasília), e que às vezes tem notícia do amigo por meio da família dele. Confrontad­o com as versões sobre as visitas de Tomás e Bolsonaro, afirmou que não há atrito algum entre o ex-comandante e o atual, que não tem conhecimen­to das visitas do ex-presidente nem do teor das conversas entre ele e o general e que não faz juízo de valor sobre o episódio.

Procurado por mensagem em 15 de fevereiro, Villas Bôas respondeu: “Prezado jornalista, estou na reserva e por isso me reservo o direito de não responder tuas perguntas”. Uma das filhas do ex-comandante, Adriana, também foi contatada, mas não respondeu.

Um dos principais responsáve­is pela politizaçã­o do Exército iniciada no governo Temer e ampliada por Bolsonaro, Villas Bôas foi o autor, em abril de 2018, do célebre tuíte em que pressionou o STF às vésperas do julgamento de um habeas corpus impetrado por Lula —o HC terminou negado e o petista foi impedido de concorrer na eleição daquele ano; dois dias depois, foi preso, por decisão de Sergio Moro.

Após deixar o comando do Exército, Villas Bôas foi nomeado assessor especial do GSI (Gabinete de Segurança Institucio­nal) sob Bolsonaro, cargo que ocupou até julho de 2022.

Os últimos tuítes políticos de Villas Bôas foram publicados em novembro de 2022, o primeiro para endossar a nota dos comandante­s militares em apoio aos acampament­os em frente a quartéis nos quais manifestan­tes pediam golpe militar e negavam o resultados das urnas; o segundo para defender generais tidos por bolsonaris­tas como traidores.

Depois, o ex-comandante fez outras duas publicaçõe­s, em dezembro de 2022, para anunciar que seria colunista da revista Oeste e divulgar dois artigos sobre a Amazônia. No segundo, destacou o trecho: “O ambientali­smo vem, crescentem­ente, sendo empregado como um braço do imperialis­mo”.

Quem é que vai ouvir esse cara para saber a versão dele? general Sergio Etchegoyen amigo de Eduardo Villas Bôas e chefe do Estado-maior do Exército quando o colega comandou a corporação

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Gabriela Biló - 19.abr.22/folhapress Jair Bolsonaro conversa com o general Eduardo Villas Bôas em cerimônia do Dia do Exército

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