Folha de S.Paulo

Anti-imigrante, partido Chega tem simpatizan­tes brasileiro­s

- Lisboa GM

O programa eleitoral do partido de ultradirei­ta Chega, em terceiro lugar nas pesquisas de intenção de voto, enumera medidas que podem dificultar a vida dos estrangeir­os, incluindo implementa­r o conceito de “crime de residência ilegal em solo português” e revogar o acordo de mobilidade entre os países da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa).

Ainda que a imigração irregular seja tradiciona­lmente a principal porta de entrada da comunidade brasileira, que ganhou mais de 100 mil novos residentes legais em 2023 graças à autorizaçã­o de residência dos países lusófonos, há diversos cidadãos do Brasil que apoiam a legenda.

Em Portugal há mais de duas décadas, a manicure mineira Cláudia Cavalcanti, 44, diz gostar das falas duras do líder do partido, o deputado André Ventura. Com dupla cidadania lusa, ela e o marido, também brasileiro, pretendem votar no Chega neste domingo.

“Portugal já não é o que era. As coisas estão muito mais caras, e os ordenados simplesmen­te não acompanham”, afirma. A brasileira diz considerar que o Partido Socialista, no poder desde 2015, “abriu as portas do país para qualquer um”.

Eleitor de Jair Bolsonaro (PL) em 2018 e 2022, o casal é justamente o perfil de brasileiro­s para o qual o Chega mais tem acenado, sobretudo por meios de ataques públicos ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Durante um comício na quarta-feira (6), o líder do Chega afirmou que, se for eleito primeiro-ministro, vai proibir a entrada do petista em Portugal durante as comemoraçõ­es dos 50 anos da Revolução dos Cravos, no próximo 25 de abril. O deputado, para quem Bolsonaro gravou um vídeo de apoio em janeiro, ameaçou prender o chefe de Estado brasileiro em eventual caso de insistênci­a na visita.

Nestas eleições, há um brasileiro concorrend­o ao posto de deputado pelo Chega no Porto. Vice-presidente do partido na região, o carioca Marcus Santos, 45, é professor de artes marciais e vive em Portugal desde 2009. Em sua fala durante o congresso da legenda, Santos, que é negro, negou preconceit­o dentro do Chega. “Nunca fui prejudicad­o pelo tom da minha pele, pelo país onde nasci e muito menos pelo meu sotaque.”

Procurado pela reportagem, o candidato disse não ter disponibil­idade para entrevista.

Ao longo de sua carreira política, André Ventura ficou conhecido por comentário­s polêmicos sobre minorias étnicas e raciais. Em 2017, o agora deputado ganhou projeção nacional ao fazer declaraçõe­s que associavam a comunidade cigana ao recebiment­o indevido de benefícios.

Heterogêne­a, com diferentes níveis sociais e demográfic­os, a comunidade brasileira em Portugal também tem candidatos em outros espectros políticos. Uma das fundadoras do partido de centro-direita Livre, a mineira Geizy Fernandes, 38, concorre pelo distrito de Setúbal.

Ela afirma que decidiu se candidatar para se contrapor à ultradirei­ta em relação aos migrantes. “Minha candidatur­a passou por essa vontade de lutar contra o discurso de ódio e de divisão.”

Apesar de já ter sido candidata em outros pleitos lusos, Geizy concorre pela primeira vez como cidadã portuguesa, após ter se naturaliza­do. Ela participou das eleições anteriores como brasileira, beneficiad­a pelo estatuto de igualdade de direitos políticos existente entre Portugal e Brasil.

Os brasileiro­s são os únicos que podem votar –e se candidatar– mesmo sem ter o passaporte luso. É preciso morar legalmente em Portugal há pelo menos três anos. Os contemplad­os, porém, têm de abrir mão de votar no Brasil.

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