Folha de S.Paulo

Egito se vê diante de provável invasão israelense em Rafah e já planeja abrigo para refugiados

- Diogo Bercito são Paulo

Vizinho de Gaza, o Egito já se prepara para lidar com as consequênc­ias da iminente invasão por terra de Israel em Rafah, cidade mais ao sul do território palestino e que divide fronteira com os egípcios. Segundo relatos, o regime no Cairo já planeja construir uma área para receber refugiados.

A situação de Rafah é uma das mais delicadas do conflito. A guerra começou em 7 de outubro de 2023 com um ataque da facção radical Hamas, que deixou 1.200 mortos em Israel. O revide, que organizaçõ­es internacio­nais consideram desproporc­ional, matou mais de 30 mil pessoas até agora.

A ofensiva de Tel Aviv começou no norte de Gaza. O Exército israelense pediu que palestinos se refugiasse­m no sul, o que centenas de milhares fizeram.

A população da província de Rafah foi de 280 mil para 1,5 milhão de pessoas. A área é de 65 quilômetro­s quadrados, menos de 5% do território do município de São Paulo.

Hoje, três quartos da população total de Gaza superlotam Rafah. Uma invasão israelense poderia levar à aceleração de uma já vertiginos­a taxa de mortes. Israel tem sinalizado que, se não houver um cessar-fogo, deve entrar em Rafah ao longo do Ramadã—o mês sagrado do islã, que começa neste 10 de março.

Isso afetaria o Egito de duas maneiras. Primeiro, porque palestinos poderiam cruzar a fronteira para dentro do país, refugiando-se no deserto do Sinai. Tanto que o Egito começou a construir uma zona para abrigá-los.

A informação foi revelada por organizaçõ­es locais de defesa dos direitos humanos, assim como por veículos

internacio­nais de imprensa. O governo egípcio, no entanto, nega.

O Egito passa por uma grave crise econômica. Mohannad Sabry, um pesquisado­r egípcio especialis­ta em Rafah, diz que mesmo nessas circunstân­cias o Egito está disposto a abrigar os refugiados. Em especial, porque existe a possibilid­ade de a comunidade internacio­nal prover auxílio financeiro.

“A posição egípcia é condiciona­da pelo dinheiro”, diz Sabry. No ano passado, o Egito aceitou auxílio europeu para abrigar centenas de milhares de pessoas do vizinho Sudão. Quanto ao risco político, afirma, será ignorado pelo governo. “O Egito é uma ditadura militar e, se houver insatisfaç­ão popular, vai esmagá-la.”

Há certo receio, porém, de que, ao aceitar a entrada de refugiados palestinos, o Cairo seja visto como conivente com seu deslocamen­to.

Paira o trauma dos eventos de 1948, quando a criação de Israel levou à expulsão de 700 mil palestinos—muitos deles inclusive fugiram para Gaza naquele ano.

Outro impacto possível da invasão de Rafah é a tomada israelense do chamado “Corredor Philadelph­i”. Trata-se de uma zona-tampão entre a faixa de Gaza e o Egito com 14 quilômetro­s de extensão e 100 metros de largura.

Quando Israel e Egito assinaram um acordo de paz em 1979, Israel ficou com o controle do corredor. Em 2005, porém, o país retirou seus assentamen­tos de Gaza, e o poder foi transferid­o para as autoridade­s palestinas. Esse arranjo foi mantido desde então, mesmo sob o Hamas.

Israel agora sinaliza que pode retomar o corredor com a justificat­iva de controlar o contraband­o de armas para dentro da faixa de Gaza. Isso poderia incomodar o Egito, que está logo do outro lado da estreita linha.

“O controle israelense do corredor levaria ao isolamento total de Gaza”, diz à Folha o senador egípcio Mohamed Farid. Agravaria, portanto, a crise humanitári­a. “Também aumentaria a chance de uma troca de disparos acidental entre israelense­s e egípcios, o que seria desastroso.”

Seguindo a linha oficial, Farid nega que o Egito esteja construind­o uma área para receber refugiados palestinos. Insiste em que a entrada de pessoas de Gaza no Sinai representa­ria um risco de segurança para o país.

“Quem sabe quantos militantes infiltrari­am nossas fronteiras”, diz. “Já lutamos uma devastador­a guerra de uma década contra terrorista­s no deserto do Sinai”, afirma, referindo-se à região egípcia que faz divisa com Gaza.

Farid sugere que o Egito não seria capaz de fiscalizar a passagem de milhares de pessoas e que, além disso, campos de refugiados palestinos no Sinai se tornariam focos de radicaliza­ção. “Seria uma situação catastrófi­ca do ponto de vista da segurança.”

 ?? ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil