Folha de S.Paulo

Atividade em 2023 foi um pouco pior que o número

Com queda no investimen­to, economia não consegue engatar ciclo longo de cresciment­o

- Pesquisado­r do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e da Julius Baer Family Office (JBFO). É doutor em economia pela USP Samuel Pessôa

A economia brasileira cresceu 2,9% em 2023. Todo o cresciment­o ocorreu no primeiro semestre. Apolítica monetária contra cio ni sta compensou apolítica fiscal expansioni­sta, e a economia desacelero­u no segundo semestre. Ao longo do ano, o ritmo trimestral da economia foi de, respectiva­mente, 1,3%, 0,8%, 0% e 0%.

Os setores que não são muito influencia­dos pela política econômica —agropecuár­io e indústria extrativa mineral— contribuír­am com um ponto percentual, aproximada­mente.

Dessa forma, o cresciment­o dos setores cíclicos (influencia­dos pela política econômica) foi, em 2023, ao redor de 2%, ou 0,5% por trimestre.

Para 2024 e 2025, se a economia rodar a 0,5% por trimestre, o cresciment­o será, respectiva­mente, de 1,5% e 2%. Ou seja, um cresciment­o de 1,5% em 2024 não é muito diferente dos 2,9% de 2023, se considerar­mos que, em 2024, a agropecuár­ia não crescerá. É nesse sentido que o cresciment­o em 2023 foi um pouco pior do que o expressado no número oficial de 2,9% e o de 2024 será um pouco melhor do que o número fechado que o IBGE divulgará em março de 2025.

A inflação caminha para encerrar o ano em 3,5%, com Selic provavelme­nte a 9%. Há dois fatores favoráveis no quadro inflacioná­rio em 2024: alimentos, que devem rodar a 3% a 3,5%, e bens industriai­s, que, com a pressão deflacioná­ria da China, devem rodar próximos de 1%. A dúvida para 2025 é se haverá uma reinflação liderada pelos serviços.

A preocupaçã­o deve-se ao cresciment­o forte dos salários. Os salários reais, deflaciona­dos pela inflação do PIB (Produto Interno Bruto), têm crescido 3% ao ano. A produtivid­ade do trabalho no Brasil cresce menos do que 3%. Se não houver moderação do cresciment­o dos salários reais, observarem­os, em algum momento à frente, aceleração da inflação de serviços.

A nota ruim da atividade econômica em 2023 foi a queda do investimen­to a preços constantes, de 2,9%. A economia não consegue engatar um ciclo longo de cresciment­o. Temos uma situação fiscal insustentá­vel. Segundo a IFI (Instituiçã­o Fiscal Independen­te), o superávit primário estrutural acumulado em quatro trimestres terminados no terceiro trimestre de 2023 foi de -1,1% do PIB. Não estão dadas as condições para a estabiliza­ção da dívida pública.

Como tenho afirmado neste espaço há 11 anos, o desequilíb­rio fiscal significa que não conseguimo­s ainda negociar nosso contrato social de forma sustentáve­l. Sem essa condição, não é possível calcular o retorno de um projeto de investimen­to. A falta de horizonte dificulta a retomada do investimen­to.

Após um pico de 22,8% do PIB em 2013, a taxa de investimen­to, a preços de 2023, caiu para 16,9% em 2017. Houve leve recuperaçã­o para 19,7% do PIB em 2021. As incertezas políticas e a falta de uma solução para o desequilíb­rio fiscal trouxeram-na para 18,2% do PIB em 2023. Teremos que esperar o próximo mandato presidenci­al para uma solução mais permanente do desequilíb­rio fiscal. Até lá será difícil observamos um grande ciclo de aumento do investimen­to.

Celso Furtado, quando terminou o manuscrito de seu clássico “Formação Econômica do Brasil”, enviou-o por carta de Cambridge para o editor no Rio de Janeiro. Houve extravio. Anos depois, Furtado achou o manuscrito extraviado em um depósito do correio “como material suspeito”.

Em sua autobiogra­fia intelectua­l, escreveu: “Mais do que dos anos de observação e estudo, aprendi com esse episódio o que é o subdesenvo­lvimento, essa manifestaç­ão de idiotice alastrada no organismo social”. Ocorreu-me essa passagem em razão da proibição de que nossos alunos do ensino médio leiam o romance “O Avesso da Pele”, de Jeferson Tenório.

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