Covid ecoa em pequenos negócios após 4 anos
Decretada em 11 de março de 2020, pandemia foi pesadelo para comerciantes, mas também rendeu casos de sucesso
Com 12 anos de Sebrae, Ariadne Mecate estava acostumada a dar consultoria sobre marketing para pequenas empresas. Tudo isso mudou em 11 de março de 2020.
“Nosso trabalho passou a ser também de acolhimento. Os empreendedores não vinham falar sobre marketing apenas. A gente os deixava desabafar. Foi surreal”, diz ela.
Naquela data, a OMS (Organização Mundial da Saúde) decretou estado de pandemia por causa da Covid-19.
“Ficamos paralisados, sem saber o que fazer por vários dias. Chorei por uma semana. Achei que era o fim do sonho”, afirma Andrea Porcaro. Ao lado do marido, Paulo Porcaro, ela havia aberto uma pequena casa de brigadeiros na Vila Guilherme, na zona norte de São Paulo, três meses antes.
Sem capital de giro ou saber como buscar dinheiro, eles realmente pareciam fadados a fechar. Mas, diferentemente do que se esperava, a Brigadeia Bistrô se tornou um dos casos de sucesso na pandemia divulgados pelo Sebrae. Um exemplo de pequeno negócio que não só sobreviveu mas cresceu durante a crise sanitária.
“A gente ficou sem chão. Não éramos um comércio de rua. Como iríamos sobreviver?”, perguntou-se Ana Beatriz de Souza, uma das responsáveis por administrar a Cantina do Ton, lanchonete que atendia a alunos de uma escola no Paraíso, zona sul de São Paulo.
Quatro anos depois, o empreendimento está em sete escolas. Eles planejam expandir a marca.
Nos primeiros quatro meses de pandemia, entre março e junho de 2020, 716.372 empresas fecharam as portas no país. Quase a totalidade (99,8%) de pequeno porte. A pesquisa, feita pelo Sebrae em associação com o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), considera que o estoque perdido por médias e pequenas companhias pode ter chegado a R$ 24,1 bilhões.
“Os pequenos tiveram de aprender a se digitalizar muito rapidamente. Não era só a questão do dinheiro. Era também o medo de explicar à família o fracasso. Quem teve sucesso nesse período foi porque mudou a mentalidade. Teve muita gente que não conseguiu e fechou por não ver como reagir”, diz Ariadne.
Ela acumula histórias de quem se reinventou na mesma proporção em que tem na memória quem fracassou. É um lugar-comum no mundo corporativo, mas cita quem conseguiu ver um mercado na crise.
O empresário que alugava máquinas de café para escritórios que fecharam em março de 2020, por exemplo. Ele percebeu existirem pessoas que, enfurnadas dentro de casa, queriam consumir uma bebida de melhor qualidade. Começou a alugar suas máquinas para residências.
“Havia quem vendia roupa, passou para os cosméticos online e deu muito certo”, ressalta a consultora do Sebrae.
Andrea e Paulo não tinham como dar tal guinada. Pouco tempo antes, vendiam os brigadeiros em um tabuleiro de madeira ao lado de banca de jornal na zona norte. Um parente criara a marca da loja e o nome Brigadeia antes de eles se transferirem para a pequena loja. Espaço em que, depois de colocado o balcão de atendimento, apenas dois clientes poderiam entrar de cada vez.
Haviam feito gastos para comprar material, e Andrea brinca dizendo que tudo o que tinham “era um cartão de crédito”.
Seria um desafio para quem era empreendedor de primeira viagem. Ela trabalhara por 17 anos no ramo ótico em shoppings e não sabia cozinhar. O marido, Paulo, chef de cozinha, a havia ensinado a fazer a base do brigadeiro. A partir daí, ela voou sozinha.
Quando as lágrimas secaram depois de uma semana, o casal fez cadastro em aplicativos de entrega de comida e contratou um motoboy. Contou com a propaganda boca a boca e os pedidos, em comunidades em redes sociais, para que os moradores da região comprassem dos comércios locais. Eles perceberam que, na incerteza do lockdown, as pessoas queriam comer chocolate.
“O doce dá uma sensação de bem-estar imediato”, diz Paulo.
E, quanto mais apareciam notícias ruins sobre as perspectivas sobre a Covid-19, mais eles vendiam.
A primeira providência que Ana Beatriz, a irmã Isadora e os pais Antonio e Marcia fizeram, assim que a pandemia tornou-se oficial, foi vender o estoque de congelados. Mas e a partir daí? O que fazer?
“Fomos para o marketing”, admite. “Oferecemos a amigos, parentes, pais de alunos que tínhamos contato. O boca a boca foi fundamental.”
A família notou que havia o potencial para a estratégia dar certo quando chegou a Páscoa. Fizeram marketing de almoços especiais. Venderam quase 20. Aquilo nunca havia acontecido antes. No Dia das Mães, cresceram muito mais.
Resolveram apostar tudo. Criaram o projeto Ateliê Gastronômico Família Amagi na cozinha industrial da casa em que viviam, para entregar refeições em domicílio. A fama se espalhou e resolveram se especializar. Ana Beatriz foi estudar confeitaria; a mãe, massas; a irmã fez curso de fotografia de alimentos para postar nas redes sociais; o pai foi entender formas de buscar financiamento para o negócio.
Quando a vida começou a voltar ao normal e a escola em que trabalhavam reabriu, descobriram que havia sido vendida para um grupo do Rio de Janeiro. Os novos donos os convidaram a colocar uma cantina nas sete unidades no estado de São Paulo.
A Brigadeia, com o sucesso acumulado durante a pandemia, se mudou para uma casa maior, ainda na Vila Guilherme, onde serve também almoços autorais de Paulo Porcaro. Ele prefere chamar sua cozinha de “afetiva”.
“No fim, acho que a pandemia foi um aprendizado. Sobreviveu o legado de saber se adaptar e estar aberto às novas tecnologias”, diz Ariadne.
Nosso trabalho passou a ser também de acolhimento. Os empreendedores não vinham falar sobre marketing apenas. A gente os deixava desabafar. Foi surreal
Ariadne Mecate
consultora do Sebrae
Ficamos paralisados, sem saber o que fazer por vários dias. Chorei por uma semana. Achei que era o fim do sonho
Andrea porcaro
dona da Brigadeia Bristô, que virou um dos casos de sucesso na pandemia divulgados pelo Sebrae