Folha de S.Paulo

Marielle e o gato-maracajá

- Repórter da Folha no Rio de Janeiro Bruna Fantti

A reação de Monica Benício, viúva de Marielle Franco, em relação ao pronunciam­ento do ministro Ricardo Lewandowsk­i sobre a delação do principal suspeito divergiu do restante da família da vereadora morta. Ela chamou a ação de espetáculo e considerou o discurso vazio.

A fala é compreensí­vel: já são seis anos sem saber a motivação de ter sua esposa retirada de sua vida a tiros. O caso já foi remexido por cinco delegados e em todas as esferas de investigaç­ão.

Monica não quer ficar igual à estátua do gato-maracajá fincada em uma pedra da praia da Guanabara, na Ilha do Governador, zona norte do Rio. A escultura remete a uma lenda dos indígenas temiminós. A oralidade conta que um maracajá acompanhav­a uma indígena que se banhava na baía. Um dia, ela saltou da pedra para mergulhar e não emergiu. Sem respostas, ele esperou, esperou e definhou no local.

O caminho de Monica, contudo, ainda se demonstra longo: o Judiciário precisa decidir sobre prisão dos suspeitos de mando, foro, culpa e pena.

E não é possível dizer se a Justiça poderá amenizar a dor. Assim ocorreu com a família de Cláudia Ferreira, 38, que não teve direito sequer a um júri.

Cláudia saiu de casa há dez anos para comprar pão para os quatro filhos. Recebeu um tiro durante ação policial e teve seu corpo arrastado pelas ruas pelo carro dos PMS.

Neste mês, o juiz Alexandre Abrahão Teixeira usou o que no juridiquês é chamado de “aberratio ictus” e absolveu sumariamen­te os policiais envolvidos. Em resumo, ideia é a de que se o agente atingir um agressor e uma pessoa inocente ao realizar disparos, responderá por ambos como legítima defesa. No Tribunal do Júri, a absolvição sumária é considerad­a raríssima.

No caso de Marielle, ainda resta a esperança de que o Judiciário não fique igual ao maracajá: petrificad­o.

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