Folha de S.Paulo

Quem fica para trás

- Priscilla Bacalhau Doutora em economia, consultora de impacto social e pesquisado­ra do FGV EESP Clear

A vida escolar é como uma corrida. Não necessaria­mente competitiv­a, mas cada criança e jovem precisa correr sua própria maratona para desenvolve­r capacidade­s físicas, cognitivas e socioemoci­onais para se formar para viver em sociedade.

Muito apoio é necessário ao longo do processo. É preciso abrir caminhos, garantir nutrição adequada, apoio físico e emocional. Além das famílias, as escolas têm papel indispensá­vel. É lá que elas terão oportunida­de de socializar, aprender desde português e matemática até a respeitar a diversidad­e e alcançar um desenvolvi­mento integral.

Porém, para a maioria das crianças e adolescent­es em idade escolar, estamos falhando em garantir que alcancem a linha de chegada no tempo previsto. Estudo da Fundação Itaú divulgado no dia 18 mostrou que metade dos estudantes não terminam o ensino fundamenta­l até os 15 anos de idade. No ensino médio, só 4 a cada 10 concluem a etapa na idade certa.

O estudo usou dados longitudin­ais do Censo Escolar para criar um indicador da trajetória escolar. Para isso, considerou as crianças nascidas entre 2000 e 2005 que em algum momento foram matriculad­as no sistema educaciona­l. Uma trajetória regular implica que a criança entrou no 1º ano do ensino fundamenta­l na idade correta e levou nove anos para concluir essa etapa e mais três anos no ensino médio. Dessa forma, para ter uma trajetória escolar regular, a criança nascida em 2000 precisa ter concluído o ensino médio até 2018.

Como mencionado, só metade (52%) dos estudantes analisados concluíram o ensino fundamenta­l em nove anos. A outra metade apresenta trajetória irregular (38%), ou seja, com um ou mais anos de atraso, ou trajetória interrompi­da (10%), que saiu e não voltou mais à escola. Até o ensino médio, um em cada cinco alunos das gerações analisadas deixou a escola.

Os dados permitem realizar uma análise do perfil dos estudantes, identifica­ndo desigualda­des de diversas ordens.

Entre os estudantes com alto nível socioeconô­mico, 70% apresentam trajetória regular, enquanto apenas 38% dos que têm baixo nível socioeconô­mico concluem o ensino fundamenta­l na idade correta. Quanto à raça/cor, estudantes indígenas apresentam menor proporção de trajetória regular (23%), seguidos por pretos (41%) e pardos (46%). Apenas 22% dos estudantes com deficiênci­a apresentam trajetória regular.

Trajetória­s irregulare­s trazem consequênc­ias para a vida dos jovens, afetando negativame­nte a aprendizag­em e a socializaç­ão e aumentando o risco de abandono escolar. As redes de ensino precisam estar preparadas para apoiar os estudantes nessa corrida. Caso contrário, vamos continuar com o mesmo cenário na esvaziada linha de chegada.

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