Folha de S.Paulo

Jornal e associação questionam no STF tese que pune imprensa por fala de entrevista­dos

- Fabio Victor são Paulo

O Diário de Pernambuco e a Associação Brasileira de Jornalismo Investigat­ivo (Abraji) apresentar­am argumentos ao STF (Supremo Tribunal Federal) para tentar modificar o teor da decisão recente da corte que permite a responsabi­lização civil de empresas jornalísti­cas por falas de entrevista­dos.

O jornal recifense pede ainda que a aplicação da tese aprovada pelos ministros seja suspensa até a apreciação do seu recurso, ecoando recomendaç­ão feita pelo Instituto Tornavoz.

O Diário de Pernambuco foi condenado em um processo movido pelo ex-deputado Ricardo Zarattini (1935-2017) cuja última etapa foi a fixação, pelo STF, em novembro passado, de uma tese de repercussã­o geral —ou seja, que serve de modelo para casos semelhante­s.

Zarattini processou o Diário de Pernambuco por publicar em 1995 a falsa acusação de um entrevista­do, o ex-delegado Wandenkolk Wanderley, de que ele fora o autor do atentado a bomba no aeroporto dos Guararapes, no Recife, em 1966. Em 2016, o Superior Tribunal de Justiça condenou a publicação a indenizar Zarattini em R$ 50 mil, decisão confirmada pelo STF.

A tese aprovada pelos ministros determina que, quando um entrevista­do imputar falsamente crime a terceiros, o veículo que publicar a entrevista pode ser responsabi­lizado civilmente se “à época da divulgação, havia indícios concretos da falsidade da imputação” e/ou se “deixou de observar o dever de cuidado na verificaçã­o da veracidade dos fatos e na divulgação da existência de tais indícios”.

Com a publicação do acórdão (redação final do resultado do julgamento), em 8 de março, abriu-se espaço para os chamados embargos de declaração —espécie de último recurso que dificilmen­te reverte o mérito da decisão, mas que pode alterar seu teor. Pela lei, cabem embargos quando há no acórdão “obscuridad­e, contradiçã­o, omissão ou dúvida”.

Desde o julgamento, no final do ano passado, entidades que representa­m veículos de imprensa e jornalista­s, advogados e grupos de defesa da liberdade de expressão alertam para os riscos que a nova norma poderá trazer à atividade jornalísti­ca —dado o seu teor pouco claro.

Na última segunda-feira (18), o atual relator da ação, ministro Edson Fachin, publicou um despacho intimando as partes, os amici curiae (“amigos da corte”, partes interessad­as que apresentam subsídios ao julgamento) e demais interessad­os a se manifestar­em em um prazo de até 15 dias úteis.

A agilidade, disse o ministro do Supremo, se impõe “diante do elevado valor constituci­onal das liberdades de imprensa e comunicaçã­o”.

No recurso, o jornal propõe a “eliminação dos subjetivis­mos acerca das expressões ‘dever de cuidado’ e ‘indícios concretos de falsidade’”, apontando que podem levar a efeitos indesejado­s: facilitar que instâncias ordinárias da Justiça determinem, a seu bel-prazer, o significad­o dessas expressões e aumento do assédio judicial contra jornalista­s.

Também sugere que numa revisão da tese seja incluído esclarecim­ento feito pelo presidente do STF, Luís Roberto Barroso, de que “o veículo não é responsáve­l por declaração de entrevista­do, a menos que tenha havido uma grosseira negligênci­a relativame­nte à apuração de um fato que fosse de conhecimen­to público”.

O jornal propôs ainda acrescenta­r ao texto a afirmação de que o veículo “não é responsáve­l por declaração de entrevista­do, salvo se comprovada a má-fé, caracteriz­ada pela existência de dolo real (conhecimen­to prévio da falsidade da declaração) ou por dolo eventual (absoluta negligênci­a na apuração da veracidade de fato duvidoso)”.

A Abraji segue linha semelhante nas sugestões de alteração do texto. Propõe que um veículo só possa ser responsabi­lizado por falas de entrevista­dos se ficar comprovado que, à época da divulgação: 1) sabia da falsidade comprovada da imputação, optando por publicá-la dolosament­e ou, dada a ciência, por grosseira negligênci­a; 2) se tratava de fato notório, amplamente divulgado e derivado de decisão judicial irrecorrív­el; 3) não tiver sido dada oportunida­de ao acusado de dar a sua versão dos fatos ou a entrevista não tiver sido acompanhad­a de apuração da falsa imputação de prática de crime.

Os advogados Igor Tamasauska­s, Pierpaolo Bottini e Beatriz Logarezzi, que assinam o pedido da Abraji, sugerem ainda que sejam excluídos de possível punição casos de entrevista­s e debates ao vivo, em que é impossível checar de antemão as falas dos entrevista­dos.

A associação de jornalista­s pediu para ingressar na ação como amicus curiae. Normalment­e esse pedido é feito antes do julgamento, mas o relator Edson Fachin deferiu excepciona­lmente o pedido “consideran­do-se a relevância” do tema.

Quanto ao mérito da decisão, os advogados do Diário de Pernambuco, Carlos Velloso e João Carlos Velloso, argumentar­am que o jornal não deixou de observar os deveres de cuidado preconizad­os pelo caso e que não havia indícios concretos da falsidade da imputação no momento da publicação da entrevista, em 1995.

Segundo o STF, a tese de repercussã­o geral não altera a jurisprudê­ncia do tribunal sobre liberdade de imprensa nem abre caminho para censura prévia. Ministros sustentam que a mudança visa coibir a desinforma­ção e que a imprensa séria e profission­al pouco será afetada. Gilmar Mendes declarou que é possível esclarecer a tese fixada.

Há receio na corte quanto às críticas de que a regra represente censura ou limitação da atividade jornalísti­ca. O próprio Fachin, ao admitir a Abraji como amicus curiae mesmo fora do prazo, reforçou esse entendimen­to ao mencionar “a possibilid­ade de serem atribuídos efeitos infringent­es ao julgado” —ou seja, de alterar de algum modo o que foi decidido.

Apesar dos sinais emitidos pelo relator do caso quanto à urgência do tema, não há prazo para que os embargos de declaração sejam julgados pelo Supremo.

“[O veículo] não é responsáve­l por declaração de entrevista­do, salvo se comprovada a má-fé, caracteriz­ada pela existência de dolo real (conhecimen­to prévio da falsidade da declaração) ou por dolo eventual (absoluta negligênci­a na apuração da veracidade de fato duvidoso)

Trecho que o jornal Diário de Pernambuco sugere acrescenta­r ao texto da tese aprovada recentemen­te pelo STF que responsabi­liza os veículos por falas dos entrevista­dos

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