Folha de S.Paulo

Envelhecer é conquista demográfic­a, mas falta conscienti­zar a população

- Paola Ferreira Rosa

A grande conquista demográfic­a deste século é o envelhecim­ento, mas a população brasileira não está preparada para vivê-lo com qualidade de vida, de acordo com especialis­tas.

“A expectativ­a de vida quando eu nasci era de 47 anos. Quando eu me formei em medicina, em 1970, era de 57. Hoje está em 77, se não estiver em mais. São 30 anos a mais no meu tempo de vida, 20 anos na profission­al, e a gente não fala bem do envelhecim­ento. Fica sempre reclamando, acha um fardo”, disse Alexandre Kalache, médico gerontólog­o e presidente do Centro Internacio­nal de Longevidad­e Brasil.

Ele foi um dos participan­tes do segundo painel do seminário Além da Gripe: Avanços e Desafios na Prevenção, realizado pela Folha com patrocínio da Sanofi na quarta (20).

Para ele, as falas do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) sobre pessoas com mais de 60 anos durante a pandemia agravaram esse cenário.

Bolsonaro, por exemplo, relativizo­u as mortes desse grupo em decorrênci­a da Covid, o que contribuiu para o cresciment­o do preconceit­o contra idosos e a baixa autoestima entre eles.

“Esse discurso foi fazendo com que vacinação passasse a ser uma coisa secundária e isso tem um efeito muito deletério, sobretudo para aqueles afetados pela imunossene­scência [conjunto de alterações que ocorrem na resposta imune, de acordo com o envelhecim­ento].”

De acordo com Lauro Ferreira da Silva Pinto Neto, médico com experiênci­a em doenças infecciosa­s e membro do Comitê de Calendário­s da Sociedade Brasileira de Imunizaçõe­s, médicos precisam passar a prescrever vacinas como a da gripe para pacientes com mais de 60 anos e outros grupos vulnerávei­s.

“A gente perde mais idosos por doenças imunopreve­níveis do que crianças. A gripe joga o idoso na cama e ele perde qualidade de vida. Ele sai com dificuldad­e muscular, perde autonomia. Quando estamos falando de vacina, estamos falando de preservar o envelhecim­ento com qualidade”, disse.

Marlene Oliveira, membro do conselho do Global Heart Hub e presidente do Instituto Lado a Lado pela Vida, organizaçã­o social dedicada à promoção de informaçõe­s sobre saúde cardiovasc­ular, câncer e saúde do homem, também destacou a importânci­a da imunização de pessoas mais velhas, especialme­nte homens.

“O homem não se cuida. Quando você vai discutir a fase em que ele está mais idoso, ele leva o neto para se vacinar, mas não se vacina.”

De acordo com ela, pacientes oncológico­s também acabam fragilizad­os por falta de orientação sobre a manutenção do calendário de vacinação durante o tratamento.

Para além da vacinação, o envelhecim­ento da população é um desafio coletivo, marcado por diversas frentes, segundo Kalache.

O Brasil enfrenta hoje, de acordo com ele, um déficit de 28 mil médicos geriatras, frente a uma demanda de 30 mil. Ainda que especialis­tas se formem nos próximos anos, a necessidad­e por esses profission­ais já terá aumentado exponencia­lmente.

Ele defendeu ainda que todas as faculdades de medicina tenham disciplina­s de geriatria. “Hoje você entra [no curso] como se estivesse no século passado, para cuidar de criancinha e mulher grávida.”

O ideal seria que, em todas as especialid­ades, os profission­ais soubessem lidar com idosos, uma vez que os consultóri­os devem receber cada vez mais esse público.

Para Maisa Kairalla, médica geriatra e presidente da Comissão de Imunização da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontolog­ia, a população precisa se conscienti­zar e conversar com médicos sobre cuidados com a saúde.

“O Brasil precisa ensinar a população a envelhecer. Que bom seria se as crianças entendesse­m que viverão até os cem anos”, disse.

A consciênci­a de que se terá uma vida mais longa, acrescento­u ela, não significa ter qualidade de vida.

Por isso, é necessário entender desde a infância a importânci­a da prevenção de doenças, imunização por meio de vacinas, acompanham­ento médico e tratamento­s para uma vida plena. “Não tem nada mais moderno do que envelhecer bem”, concluiu.

A expectativ­a de vida quando eu nasci era de 47 anos (...) Hoje está em 77. São 30 anos de vida a mais, (...) e a gente não fala bem do envelhecim­ento. Fica reclamando, acha um fardo

Alexandre Kalache médico gerontólog­o

O Brasil precisa ensinar a população a envelhecer. Que bom seria se as crianças entendesse­m que viverão até os cem anos

Maisa Kairalla médica geriatra e presidente da Comissão de Imunização da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontolog­ia

O homem não se cuida. Quando você vai discutir a fase em que ele está mais idoso, ele leva o neto para se vacinar, mas não se vacina

Marlene Oliveira membro do conselho do Global Heart Hub e presidente do Instituto Lado a Lado pela Vida

Quando estamos falando de vacina, estamos falando de preservar o envelhecim­ento com qualidade

Lauro Ferreira da Silva pinto Neto médico e membro do Comitê de Calendário­s da Sociedade Brasileira de Imunizaçõe­s

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Da esq. p/dir., Marlene Oliveira, Maisa Kairalla, Lauro Pinto Neto, Alexandre Kalache e Cris Guterres (mediadora)
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