Folha de S.Paulo

Cultivar relações ajuda pessoas idosas a manter a saúde em dia

Contato social contribui para um bom bem-estar emocional, que pode ser chave para conservar longevidad­e

- Beatriz Gatti são Paulo

Todos os dias ao acordar, Zuleika Machado faz alongament­os na cama. Depois, toma seus remédios e, então, se levanta para o café da manhã. Às terças e quintas, sua rotina inclui seus atendiment­os como dentista.

Ela acumulou muitos pacientes ao longo de seus 80 anos, 42 deles dedicados à periodonti­a. O trabalho é uma das atividades que a mantém feliz e disposta, mesmo após a morte do marido. “Procuro me ocupar, sem deixar de fazer as coisas por pensar que estou sozinha. Ele partiu, mas eu continuo fazendo o que tenho que fazer: cuidando da família, da vida e da saúde”, diz.

A impossibil­idade de contato com os familiares foi uma das piores partes das duas semanas em que Estelinha Bezerra, 94, ficou internada com Covid, ainda no início da pandemia, em 2020. “Sofri entre a vida e a morte, pedindo a Deus para que alguém da minha família se aproximass­e, mas não tinha esse direito.”

Ela passou dez dias na UTI, em um hospital privado em São Paulo, e teve uma recuperaçã­o com sequelas físicas e emocionais, inclusive um quadro de depressão. “O psiquiatra me explicou que não era só tomar remédio. Eu tinha que passear, conversar, fazer atividade física, ler um livro.”

Além da família, os 470 mil seguidores que acumula no Instagram foram fundamenta­is para sua saúde mental. A ideia de criar um perfil para compartilh­ar os pensamento­s de Estelinha partiu do filho Josafá Vilarouca, 50, em 2023, como uma tentativa de movimentar a rotina da mãe.

“Eu amo essa população que me ama. Seria muito bom se eu tivesse o prazer de receber todos aqui neste apartament­o. Será que ia caber?”, ela brinca.

Cultivar as relações ajuda no bem-estar emocional, que é um dos fatores especialme­nte importante­s para fortalecer o sistema imunológic­o dos idosos, segundo o geriatra Jarbas Roriz, membro da Comissão de Imunização da SBGG (Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontolog­ia).

Outros aspectos de um estilo de vida saudável são reduzir o estresse, ter uma alimentaçã­o saudável, praticar exercícios físicos, não fumar e dormir bem. “Quando esses pilares são obedecidos, o sistema imune correspond­e e a pessoa alcança uma maior longevidad­e”, afirma.

Assim que sente algum desconfort­o na garganta, a Rainha do Batom —como Estelinha se intitula nas redes— recorre às combinaçõe­s caseiras de própolis com mel e limão ou alho assado na manteiga. “Logo, fico boa. Graças a Deus, tenho dificuldad­e de gripar.”

Ela também costuma evitar aglomeraçõ­es e mantém distância de pessoas que aparentam estar com algum sintoma.

De acordo com Roriz, por serem ricos em vitaminas e minerais e possuírem potencial ação imunomodul­adora, os alimentos citados por Estelinha podem ser úteis de modo preventivo, mas não têm eficácia comprovada contra um quadro gripal já instalado.

Zuleika ficou gripada há cerca de um ano. Logo que teve tosse foi ao hospital, onde o médico lhe prescreveu um antigripal. “Era uma gripe normal, mas eu acho que, qualquer coisa que a gente sente, deve procurar [o médico].”

Segundo Roriz, o ideal é de fato buscar atendiment­o no início dos sintomas. No Brasil, entre 70% e 80% das mortes relacionad­as à influenza acontecem entre idosos, segundo a versão mais recente do guia de vacinação da Sbim (Sociedade Brasileira de Imunizaçõe­s) e da SBGG.

O médico esclarece que a reação do sistema imunológic­o de idosos pode ser diferente, o que leva a sintomas não tão aparentes e a risco aumentado de complicaçõ­es, como amigdalite, sinusite e pneumonia.

A gripe e a pneumonia podem levar a um estado de confusão mental, ocasionado por uma sobrecarga no sistema nervoso central, já em processo de degeneraçã­o natural em pessoas com idade avançada.

“Com a infecção viral, o cérebro tem que agir para identifica­r o vírus e fazer o sistema imunológic­o trabalhar, e o idoso pode não ter reserva cerebral para essa demanda”, explica o especialis­ta.

O estado, reversível, faz com que o paciente passe por um tipo de amnésia. Foi o que aconteceu com o ator Tonico Pereira, 75, em dezembro de 2021. Com um quadro de influenza A que evoluiu para uma pneumonia, ele ficou cinco dias na UTI de um hospital privado no Rio de Janeiro.

“Tenho pouca lembrança porque fiquei fora do ar. A consciênci­a do tempo eu só tive depois que me falaram”, diz.

Tonico faz questão de tomar todas as vacinas disponívei­s para se prevenir de doenças, assim como Estelinha e Zuleika. “Se vem uma gripe forte, é diferente para mim e para uma pessoa mais jovem. Mas, com a vacina, me sinto protegida”, diz a dentista.

“A vacinação é importantí­ssima, porque não temos mais a resposta imunológic­a de uma pessoa jovem Zuleika Machado, 80 dentista

“Tomo todas as vacinas e estou preparada para tomar o que vier; é uma facilidade Estelinha Bezerra, 94 influencia­dora

“O ser humano não pode ficar sem se vacinar. Eu levo isso muito a sério Tonico pereira, 75 ator

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Fontes: Danilo Gullo Ferreira, pneumologi­sta do hospital Unimed de Limeira, e Ministério da Saúde
 ?? Lucas Seixas/folhapress ?? A influencia­dora Estelinha Bezerra, 94, em sua casa, em Santo Amaro, na zona sul da capital paulista
Lucas Seixas/folhapress A influencia­dora Estelinha Bezerra, 94, em sua casa, em Santo Amaro, na zona sul da capital paulista

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