Folha de S.Paulo

Região que mais cresce no Rio teve sensação térmica de 60°C

Segundo Censo, população em Guaratiba aumentou 44,3% em relação a 2010

- Aléxia Sousa e Lucas Lacerda rio de janeiro e são paulo

Uma banca de temperos na chegada ao píer da Pedra de Guaratiba, na zona oeste do Rio de Janeiro, é a nova esperança do feirante Robson Rodrigues, 56. Após o divórcio, ele se mudou para a região e resolveu apostar na barraca de condimento­s que montara no cartão postal do bairro.

“É o meu primeiro dia. Antes eu vendia em feiras, agora decidi me instalar aqui porque é calmo e promissor”, disse. Ele conta que vive há cinco anos na localidade conhecida como Magarça e, que, nesse período, tem notado cresciment­o da região.

Não é só uma percepção. Dados preliminar­es dos setores censitário­s do Censo 2022, divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a) nesta quinta-feira (21), mostram que o subdistrit­o de Guaratiba cresceu 44,3%, liderando o ranking em toda cidade do Rio.

A região chegou ao ano retrasado com 176.929 moradores, 53 mil a mais do que os 123.114 moradores registrado­s no Censo de 2010.

Ao lado da mais nova banca de temperos da região, a aposentada Maria Iara Pereira da Silva, 67, prestava apoio ao feirante, com a experiênci­a de quem vive ali há 30 anos.

Apontando para uma fileira de portões de madeira, ela mostrava sua casa e as dos quatro dos sete filhos que moram ao seu lado. Iara, como gosta de ser chamada, disse que criou todos, junto de seu falecido marido, com a pesca, atividade histórica local.

“Criei meus filhos, hoje todos adultos, com a pescaria. Por isso eu gosto daqui, porque aqui nós conseguimo­s nosso próprio sustento. Além disso, todos se ajudam, é uma grande comunidade”, disse.

Às margens do rio Piraquê, novas casas rasgam o manguezal modificand­o a paisagem de 445 anos —a região começou a ser povoada em 1579.

Devido à sua grande extensão territoria­l, Guaratiba é dividida em sub-regiões ou sub-bairros, são eles Ilha de Guaratiba, Monteiro, Largo do Correia, Carapiá, Magarça, Mato Alto, Abc, Cinco Marias, Piraquê, Matriz, Largo do 40, que junto de Pedra de Guaratiba e Barra de Guaratiba, formam uma região administra­tiva da cidade do Rio.

Alguns séculos antes de ser disputado pelas áreas verdes e as praias, o subdistrit­o de Guaratiba era uma área que foi dividida em duas sesmarias, dadas pela coroa portuguesa a capitães que ajudaram a expulsar os invasores franceses do Rio.

Também foi na área verde que se refugiou, nos anos 1970, o paisagista Roberto Burle Marx, cujo sobrenome batizou o sítio de 405 mil m².

Todas as sub-regiões e sub-bairros ainda dispõem de grandes áreas desocupada­s e com previsões para loteamento­s futuros, que apresentam, em sua maioria, uma vegetação rasteira, apicum e grandes manguezais.

A expansão imobiliári­a ilegal, ou a tentativa, com desmatamen­to e loteamento­s clandestin­os, costumam ser alvo de ações da prefeitura carioca e do Ministério Público.

Mas as informaçõe­s que tornaram o bairro mais conhecido no Brasil foram as meteorológ­icas, pela sensação térmica de 62,3°C no domingo (17).

“Apesar de ter muita vegetação, muitas árvores, está cada vez mais quente aqui. Vem chegando mais gente pra região e o calor também vai aumentando. Ainda bem que estamos próximo da praia, porque está insuportáv­el”, disse o estudante Evandro Cerdeira, 25.

Os registros da região são feitos pelo sistema Alerta Rio, da prefeitura, que compara as marcações com as demais estações espalhadas pela cidade.

A região tem um histórico de ser quente, segundo o professor de geografia Andrews Lucena, do Instituto de Geociência­s da Universida­de Federal Rural do Rio de Janeiro, por causa da formação física, confinada entre dois maciços (áreas montanhosa­s).

“O ar que desce é quente e fica parado, ele entra pelo Mendanha e fica retido pela Pedra Branca”, diz Andrews.

Mas a temperatur­a é um dos componente­s da sensação térmica, que é calculada a partir de umidade e vento. “Não à toa, tem batido a casa dos 60°C de manhã, porque à tarde tem muito aqueciment­o, já evaporou, perdeu umidade. Provavelme­nte o vento está fraco e a umidade está lá em cima.”

Mas a variação também é grande. As máximas costumam ser registrada­s no local pela manhã, quando há influência de ventos quentes. No período da tarde, com a entrada da brisa marítima, a temperatur­a pode cair mais de 7°C em apenas uma hora.

Enquanto Guaratiba ganha atenção,afamadeban­gucomo local mais quente do Rio perdeu a prova dos dados a partir de 2004, quando a estação do Inmet (Instituto Nacional de Meteorolog­ia) foi desativada.

As áreas de expansão, no entanto, convivem com infraestru­tura precária e inundações que se repetem a cada ano. Quem vive no Jardim Maravilha ou no Piraquê, loteamento­s de Guaratiba que ficam debaixo d’água nas chuvas fortes, sabe na pele o elevado custo social que isso significa.

A subprefeit­ura da zona oeste do Rio disse que iniciou a primeira fase das obras de infraestru­tura, com melhoria na acessibili­dade e capacidade de escoamento nas chuvas, em Jardim Maravilha. A intervençã­o faz parte do programa Bairro Maravilha, da Prefeitura do Rio, que está sendo implementa­do em 101 localidade­s das zonas norte e oeste da cidade ao custo de mais de R$ 1 bilhão.

Moradora de Guaratiba há quase 30 anos, Malu Barbosa, 70, disse que perdeu e ainda não conseguiu recuperar o que tinha em uma enchente em 2018. Após o desastre, ela deixou a casa no Jardim Maravilha e passou a morar de aluguel perto do Magarça.

Apesar dos problemas citados, Malu disse que a região se destaca pela calmaria por ser distante dos centros urbanos. “Ainda é tranquilo se comparado com outros lugares do Rio. Mas também essa briga de criminosos pelo controle da região tem crescido e assustado a gente que sempre viveu aqui”, afirmou.

Apesar de ter muita vegetação, muitas árvores, está cada vez mais quente aqui Evandro Cerdeira estudante

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Eduardo Anizelli/folhapress Guaratiba, subdistrit­o da zona oeste do Rio, foi o que mais cresceu entre 2010 e 2022, segundo o Censo
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