Folha de S.Paulo

Pesquisa nova, ideias velhas

Avaliação reduzida de Lula sugere que prática política vive em país e cultura do passado

- Vinicius Torres Freire Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administra­ção pública pela Universida­de Harvard (EUA)

O eleitorado continua grosso modo dividido em terços quanto à nota que dá a Luiz Inácio Lula da Silva. A parcela daqueles que avaliam Lula 3 como “ótimo/bom” é praticamen­te a mesma daqueles para quem o governo é “ruim/péssimo”. É o que diz o Datafolha.

O empate aparece também em outras pesquisas realizadas desde fins de fevereiro. A baixa do prestígio começou depois da metade do ano passado. Mas é muito mais pronunciad­a e ocorreu na maior parte em 2023 nas pesquisas Quaest e Ipec do que no Datafolha e na

Atlas. E daí? Tem-se dado importânci­a excessiva ao assunto?

Não, parece razoável dizer. Baixas de avaliação costumam diminuir a margem de manobra política do governo. A situação fica um tanto mais difícil em um tempo de contraposi­ção extremada das preferênci­as de voto para o Executivo (“polarizaçã­o”), de volatilida­de da opinião pública (também por causa de redes sociais e de guerras culturais e de propaganda), de revolta “contra o sistema” e por causa do fato óbvio de que o governo Lula é muito minoritári­o no

Congresso, tanto em termos de número de parlamenta­res quanto de preferênci­as ideológica­s —as forças sociopolít­icas do país mudaram muito.

Em caso de aprovação popular baixa, as oposições têm mais facilidade de emparedar o governo, óbvio. Para dar um exemplo circunstan­cial, veja-se a dificuldad­e do governo de lidar com a votação sobre o fim das “saidinhas” de presídios. O governismo não fez campanha para se opor ao endurecime­nto da lei; Lula correria grande risco de ser avacalhado nas redes caso viesse a vetar a medida.

O endurecime­nto penal, o cerceament­o do direito de interrupçã­o da gravidez, “guerra às drogas”, tudo isso e muito mais, estão na pauta do Congresso, para não mencionar a nova pregação do morticínio de pobres, pretos e periférico­s como política de segurança pública, vide o caso paulista.

Além do problema em si do reacionari­smo, esses assuntos serão meios de desbastar o prestígio de Lula um tanto mais, recurso que pode ser mais útil em ano de eleição e de popularida­de presidenci­al à beira do vermelho.

Tais riscos ou ameaças tendem a reduzir a pauta de Lula 3 a poucos temas mais consensuai­s em economia; talvez facilitem a cobrança de espaço no governo.

Para quem queira ver o copo de Lula meio cheio, note-se que o saldo da avaliação do governo não está no vermelho. Não está mal, dado que, faz uma década, governos muito mais perdem do que ganham eleições na América Latina. Além do mais, o Datafolha mostra que há mais eleitores com expectativ­a de que Lula faça um governo “ótimo/bom” (46%) do que o que agora dão tal nota ao desempenho do presidente (35%).

A baixa da avaliação do governo causou mais sensação porque tem havido aumento do número de empregos e de benefícios sociais, assim como melhora expressiva nesses rendimento­s. O nível de renda, porém, mal se recuperou de uma década de desastre e o preço da comida aumentou mais do que salários.

Mesmo melhorias adicionais de bem-estar material talvez não venham a compensar tão cedo o efeito das preferênci­as extremadas e entrinchei­radas de voto para o Executivo federal ou estadual —no Parlamento e em prefeitura­s, centrão e direita são largamente vitoriosos.

Sem novidades políticas maiores, parece difícil de superar esse tempo de avaliações reduzidas da qualidade do governo. Isto é, faltam novidades de mensagem, de programa, de articulaçã­o com forças sociais, de debate em redes sociais. Claro que continua essencial o aumento do ritmo de melhora da vida, na renda, na saúde, na segurança, as três queixas sempre líderes. Mas continua a se fazer política muito velha, em especial na esquerda, em um mundo muito alterado pela tecnologia e pela revolta contra o status quo. vinicius.torres@grupofolha.com.br

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