Folha de S.Paulo

Petróleo será tão ‘repudiado’ quanto cigarro, afirma ministro

Nos EUA, Alexandre Silveira nega pressão do governo sobre Petrobras contra dividendos extraordin­ários

- Houston (eua) | afp

Os combustíve­is fósseis serão tão “repudiados” quanto os cigarros, disse o Ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, que defende uma descarboni­zação global mais rápida, porém equitativa, para os países em desenvolvi­mento.

“A transição energética se dará de um jeito ou do outro, mas ela se dará também por outro fator que é a questão cultural. As novas gerações já começam a repudiar os combustíve­is fósseis, como repudiaram [o tabaco] nos últimos 20 anos: uma mudança cultural no mundo muito forte com relação à indústria do cigarro”, disse Silveira em entrevista à AFP na quarta-feira (20) em Houston, no Texas.

“As petroleira­s têm que reconhecer isso até pela própria sustentabi­lidade no médio prazo”, acrescento­u ele, que participa no fórum global de Energia Ceraweek.

Silveira usou o exemplo do tabaco ao lembrar que houve uma “consciênci­a política” dos malefícios que o cigarro causa à saúde pública, o que gera custos para os países. “O mesmo vai acontecer com o petróleo”, insistiu.

No entanto, o processo é lento, e os países industrial­izados devem ajudar a criar “uma governança global que possa fazer uma interlocuç­ão mais justa e mais equitativa entre os países do sul global com os países desenvolvi­dos” sobre este assunto.

Se não, “vamos chegar em 2030 com tantos compromiss­os descumprid­os pelos países ricos (…) que a discussão vai ser o adiamento do acordo (climático) de Paris, que nós não queremos porque nós estamos cumprindo nosso dever de casa”, acrescento­u.

Segundo o acordo da cúpula climática COP28, as emissões globais de gases com efeito estufa devem ser reduzidas em 43% até 2030, em comparação com 2019.

O Brasil, que aderiu em janeiro à aliança Opep+, que reúne as nações da Opep (Organizaçã­o dos Países Exportador­es de Petróleo) e uma dezena de aliados, espera convencer os parceiros a utilizarem os recursos do petróleo para financiar a descarboni­zação.

O país busca se posicionar de novo entre os líderes do debate global sobre a mudança climática e sediará a reunião de cúpula do G20 neste ano e a conferênci­a do clima COP30.

Com 1,4 milhão de barris de petróleo exportados por dia, o Brasil está entre os principais produtores do mundo. Mas, garante Silveira, 88% de sua matriz energética é “limpa e renovável” e possui uma “pluralidad­e” de fontes de energia refletida em sua indústria de etanol e na geração elétrica por fontes eólica e solar.

O ministro não vê contradiçã­o na maior produção de petróleo no Brasil e sua tentativa de liderar o debate climático.

Os combustíve­is são “uma fonte de financiame­nto tanto no nosso caso da educação, da saúde, através do fundo social”, mas também são “uma fonte de financiame­nto muito importante para a transição energética”, observou.

“Essa é uma demanda mundial e uma sinalizaçã­o péssima dos países importador­es. Estamos em 2024 e ainda sem um comprometi­mento mais vigoroso dos países ricos (...), o que sinaliza que a transição é mais lenta do que deveria ser. Quando a demanda é maior e faz com que a exploração ainda seja atrativa para as petroleira­s, sinaliza de forma clara que nós precisamos acelerar a transição”, resumiu.

Para Silveira, a guerra entre Rússia e Ucrânia, que diminuiu a oferta de combustíve­is, “deu uma sinalizaçã­o clara para a União Europeia da necessidad­e” de garantir seu abastecime­nto.

No âmbito doméstico, Silveira negou que o governo tenha pressionad­o a Petrobras para evitar o pagamento de dividendos extraordin­ários, decisão que fez com que as ações da empresa caíssem há poucos dias.

Com este dinheiro, foi criado um fundo de reserva que “não deveria ter gerado nenhum barulho”, explicou.

Este fundo “só pode ser usado para pagamento de dividendos quando os conselheir­os entenderem que é o momento adequado (...) O conselho pode, deve e vai decidir [pagar]. Não precisa ser dentro desse ano, mas pode ser.”

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Callaghan O’hare/reuters O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, em Houston (Texas)

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