Folha de S.Paulo

Mastroiann­i e Marlon Brando são tão sagrados quanto diferentes

O italiano, que se ancorava no carisma, e o americano, que encarnava o método Stanislavs­ki, estão reunidos em mostra

- Inácio Araujo Crítico de cinema da Folha

A programaçã­o da Cinemateca Brasileira, aberta nesta quinta-feira, promove o encontro de dois monstros tão absolutame­nte sagrados quanto diferentes no modo de ser e seu trabalho, ao mesmo tempo em que celebra o seu centenário —Marlon Brando e Marcello Mastroiann­i.

Para Brando, o trabalho era quase um suplício, enquanto, para Marcello, era uma diversão. Brando parecia introjetar a cada interpreta­ção o método Stanislavs­ki inteiro, enquanto Mastroiann­i se apoiava essencialm­ente sobre o carisma e a espontanei­dade.

Ambos foram galãs de enorme prestígio na juventude, mas na maturidade Brando deixou a beleza de lado, o que não aconteceu com Mastroiann­i. Ainda que de maneiras opostas, eles tinham o dom de influencia­r os filmes em que tomavam parte.

Brando era tormentoso, exigente e cobrava uma fortuna por suas aparições, não raro rápidas nos filmes. Mastroiann­i via as filmagens com leveza. Era um lugar de sedução, e podia fazer parte de um filme, ao que se conta, apenas para paquerar uma atriz.

Tinham em comum a facilidade para conquistar as plateias. Marlon Brando surgiu explosivam­ente, em “Uma Rua Chamada Pecado”, de 1951, dirigido por Elia Kazan, indicado ao Oscar de melhor ator já em sua estreia. Pouco depois, ganharia o prêmio por “Sindicato de Ladrões”, de 1954, do mesmo Kazan, que até esse momento era seu mentor, também no teatro.

“O Selvagem”, de 1952, foi sucesso a seu tempo. O filme de Lazlo Benedek fica quilômetro­s abaixo dos dois mencionado­s acima, mas vale pela panca de Brando como motoqueiro rebelde. Inaugurou o subgênero juventude transviada, que, aliás, seria mais bem-sucedido em “Juventude Transviada”, de Nicholas Ray.

O mais surpreende­nte, e também o menos conhecido desses filmes, talvez seja “Eles e Elas”. Para começar, nem Joseph Mankiewicz, o diretor, nem Brando eram especialis­tas em musicais. Talvez por isso, sendo visto como intruso num gênero então central para Hollywood, o filme foi recebido com reservas. No entanto, ambos se saem com desenvoltu­ra —assim como Jean Simmons e Frank Sinatra.

Mastroiann­i será aqui apresentad­o no papel que, mais do que qualquer outro, sedimentou a identidade entre o ator e Federico Fellini, “Oito e Meio”, de 1963. Ali, Mastroiann­i interpreta Fellini —muda só o nome. Da mesma forma, “A Noite”, de 1961, é o papel que o liga à obra de Michelange­lo Antonioni —mas é o único filme que fariam juntos.

Passemos pelo fraco “Gabriella”, de Bruno Barreto. “Um Dia Muito Especial”, de 1977, de Ettore Scola, é um momento marcante do cinema italiano dos anos 1970. E não era fácil entrar nessa galeria. O dia em questão é o do encontro entre Hitler e Mussollini em Roma. E nesse dia se encontram um jornalista pouco animado com o acontecime­nto e uma dona de casa, Sophia Loren, que não pode comparecer à cerimônia pública devido a seus problemas domésticos.

Lembrar desses outros trabalhos não implica deplorar a amostragem proposta pela Cinemateca. O que trazem esses oito filmes é uma bela celebração desse duplo centenário. E ainda homenageia, de passagem, o grande cinema da Itália e dos Estados Unidos.

Mostra 100 anos de Mastroiann­i e Brando

Cinemateca Brasileira - lg. Sen. Raul Cardoso, 207, São Paulo, cinemateca.org.br. 12 anos. Até dom. (21). Horários em cinemateca. org.br/series/mostra-100-anosde-mastroiann­i-brando. Grátis

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Divulgação Acima, Marlon Brando em ‘O Selvagem’; abaixo, Marcello Mastroiann­i em ‘Oito e Meio’
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