Folha de S.Paulo

‘O Problema dos 3 Corpos’: ciência e ficção

Série contém erros, mas diverte quem gosta de ficção científica

- Marcelo Viana Diretor-geral do Instituto de Matemática Pura e Aplicada, ganhador do Prêmio Louis D., do Institut de france.

A plataforma de streaming Netflix lançou recentemen­te uma série cujo título se refere a um tema que conheço bem: “O Problema dos 3 Corpos”. A referência remonta ao trabalho do matemático e físico Isaac Newton (1643–1727), que criou a física moderna, reinando absoluto até o advento da Teoria da Relativida­de, de Albert Einstein (1879–1955).

Newton postulou que todos os corpos se atraem por meio de uma força que é proporcion­al ao produto de suas massas e inversamen­te proporcion­al ao quadrado da distância entre eles. Para corpos pequenos, essa força é imperceptí­vel, mas, na escala dos planetas, estrelas e galáxias têm um papel determinan­te na organizaçã­o do universo.

A lei da gravitação pode ser expressada por meio de uma relação matemática chamada equação diferencia­l. Newton mostrou como resolver essa equação no caso em que se consideram apenas dois corpos —o Sol e a Terra, por exemplo. Dessa forma, confirmou a lei formulada por Johannes Kepler (1571–1630) segundo a qual o planeta se move em trajetória elíptica com a estrela em um dos focos da elipse.

Mas a equação da gravitação é muito mais difícil de resolver quando consideram­os três ou mais corpos celestes. Grandes matemático­s e físicos contribuír­am para o avanço nesse problema, com destaque para Henri Poincaré (1854– 1912), e o advento dos computador­es também forneceu novos meios de resolver essa equação na prática. Mas o “problema dos 3 corpos” continua sendo sinônimo de algo difícil.

Na série, a Terra está sob ameaça de invasão por alienígena­s vindos de um sistema solar a quatro anos-luz de distância: viajando a 1% da velocidade da luz, eles chegarão em 400 anos. Vêm de um sistema formado por três estrelas, em torno das quais, presume-se, orbita o planeta dos alienígena­s: logo são quatro corpos, não três. Não é a única imprecisão do seriado.

Os autores sabem que, pela Teoria da Relativida­de de Einstein, nada —nem objeto nem informação— se move mais rapidament­e do que a luz. Mas há a necessidad­e dramática de que os alienígena­s se comuniquem regularmen­te com a Terra.

Entra em cena o fenômeno do emaranhame­nto quântico: um próton é enviado à Terra enquanto outro próton emaranhado com ele fica na frota estelar. A ideia é que, por estarem emaranhado­s, aquilo que acontecer com um próton se refletirá imediatame­nte no outro, permitindo comunicaçã­o instantâne­a entre os invasores e a Terra.

Não é assim que funciona o emaranhame­nto quântico. Mas pouco importa. “O Problema dos 3 Corpos” não é um documentár­io, mas sim diversão para quem gosta de ficção científica: eu assisti à primeira temporada em um fim de semana e recomendo!

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