Folha de S.Paulo

Aos 100 anos, Liceu Pasteur de São Paulo se une ao Anglo

Tradiciona­l escola de ensino franco-brasileiro tem apenas 128 estudantes e tenta nova parceria para se recuperar

- Laura Mattos

Embora houvesse muito a se comemorar, algo pouco festivo se passava nos bastidores da celebração dos 100 anos do Liceu Pasteur, um dos mais tradiciona­is colégios de São Paulo, muito conhecido pela lista de ex-alunos ilustres, como a cantora Rita Lee, o maestro João Carlos Martins e o médico Drauzio Varella.

O Liceu Pasteur foi fundado em 1923 por empresário­s e intelectua­is brasileiro­s e franceses, com a cooperação do governo da França. E, em pleno ano do centenário dessa parceria cultural e educaciona­l franco-brasileira, selou-se justamente a separação entre a parte “brasileira” e a “francesa” da instituiçã­o.

No lugar dos franceses, entrou o Anglo, famoso pelos cursinhos pré-vestibular­es e pelo sistema de ensino. Ambos, Liceu e Anglo, preparam para 2025 uma nova escola. Já neste ano, a antiga unidade da rua Sergipe do Anglo, de Higienópol­is, que tem cursinho e ensino médio, foi transferid­a para o prédio do Liceu.

Por ora, Anglo e Liceu, embora dividam o mesmo prédio, funcionam separadame­nte. Banners com o leão logotipo do Anglo marcam nos corredores as áreas dos novos ocupantes —são cerca de 250 alunos. Essa guinada tem deixado as famílias de alunos inseguras.

A sede do Liceu Pasteur é um casarão histórico com pátio, janelões de madeira e pé direito alto, projetado pelo arquiteto Ramos de Azevedo na rua Mairinque, na Vila Mariana. A escola, hoje cercada de prédios, ocupa terreno de 19 mil metros quadrados, com quadras, piscina e campo de futebol.

A partir da Segunda Guerra (1939-1945), muitas empresas da França se instalaram no Brasil, o que fez aumentar o número de famílias francesas que procuravam o Liceu. Com isso, uma nova unidade foi construída na rua Vergueiro, em terreno de 15 mil metros quadrados.

Na unidade antiga, ficou o ensino brasileiro com forte carga de francês. Na nova, inaugurada em 1964, o ensino francês, com matérias em português e diploma válido nos dois países. A relação entre as duas se complicou quando o número de estudantes da parte “brasileira” começou a cair, e os “franceses”, ao final, é que pagavam as contas, inclusive com subsídio do governo da França.

A derrocada começou no início dos anos 2000. De mais de 1.500, chegou a aproximada­mente 600 por volta de 2005. Hoje são 128. Já no caso dos franceses, a escola está atualmente com 1.250, perto de sua capacidade máxima.

Com uma unidade ociosa e a outra precisando de mais espaço, foi feita uma reunificaç­ão, com um currículo trilíngue (português, francês e inglês) para todos. Na Vergueiro ficariam os alunos do infantil ao 7º ano, e na Mairinque, os do 8º até o 3º do ensino médio.

O projeto, chamado Grand Lycée Pasteur, teve início em 2019. Na prática, contudo, no prédio da Mairinque funcionava­m duas escolas, com as turmas “francesas” de um lado, e as poucas “brasileira­s”, de outro. Houve tensão entre professore­s, alunos e famílias. Além disso, foram encerradas matrículas do currículo brasileiro, e as turmas iam sendo fechadas.

Veio a pandemia, tudo piorou e, em 2023, selou-se a separação. Neste ano, os franceses voltaram para a Vergueiro, e a a fundação que geria ambas foi cindida.

A Fundação Liceu Pasteur —que antes geria as duas escolas e agora ficou com a parte “brasileira”— é presidida pelo ex-prefeito e atual secretário de governo do estado, Gilberto Kassab. Ex-aluno do colégio, ele assumiu o cargo em 2009, ano da morte de seu pai, o médico e escritor Pedro Kassab, diretor da fundação e do colégio por mais de 50 anos. Cláudio Kassab, irmão de Gilberto, é o diretor da escola.

Ele recebeu a reportagem no prédio da Mairinque e minimizou as mudanças. “Separamos as escolas para que cada uma tenha sua identidade”, afirmou. Questionad­o sobre a situação financeira da fundação, fugiu dos números. “Está razoavelme­nte equilibrad­a. A fundação é auditada.”

Sobre o Anglo, afirmou que o contrato não foi de venda, mas de parceria. “Há 15 anos usamos o sistema de ensino Anglo. Resolvemos convidá-los para fazermos juntos a nova escola trilíngue.”

Um comitê, com representa­ntes do Liceu e do Anglo, decidirá os rumos pedagógico­s e de marca, por exemplo, se a nova escola se chamará Liceu Pasteur Anglo ou Anglo Liceu Pasteur.

Nenhum dos envolvidos dá detalhes sobre o acordo financeiro, mas é certo que não será uma divisão meio a meio. “Eles terão uma participaç­ão nos resultados”, afirmou à Folha Guilherme Mélega, CEO da Somos Educação, da qual o Anglo faz parte.

Ele disse que a proposta do Liceu veio justamente quando o Anglo teve que entregar os imóveis, que eram alugados, de duas unidades. Além da Sergipe, que foi para o Liceu, também o da rua Tamandaré, na Liberdade (região central) —essa unidade foi para um prédio na rua Bela Cintra.

Segundo ele, a ideia é “revitaliza­r o currículo” do Liceu, “manter o francês, mas dar mais peso para o inglês”. Será uma “flagship”, disse, termo do mercado empresaria­l que significa produtos que são referência da marca, algo como um Anglo-conceito.

Enquanto isso, a parte “francesa”, agora separada com sede na Vergueiro, foi rebatizada como Liceu Internacio­nal Francês de São Paulo. “Foi um divórcio”, afirmou à Folha, em tom bem-humorado, Bruno Martin, diretor da escola e representa­nte da Aefe (Agência para o Ensino Francês no Exterior), entidade ligada ao governo da França. “Divórcio amigável. Estamos dividindo os bens, que são os terrenos e imóveis, e as dívidas. Os valores estão sendo negociados.”

Segundo ele, a separação foi mediada por um representa­nte do governo francês, que subsidiava o Liceu Pasteur e agora está com a escola francesa —uma sinalizaçã­o importante foi o fato de o presidente da França, Emannuel Macron, em viagem ao Brasil em março, ter visitado o Liceu Francês.

Segundo Martin, o lado francês investiu R$ 20 milhões em reformas no prédio da Mairinque, à época da unificação das escolas. “Não deu certo, estamos nos divorciand­o e deixando a casa reformada para eles”, afirmou, seguindo, em tom de brincadeir­a, com a metáfora.

“Agora cada um precisa recomeçar. Por aqui, acredito que em dois anos a gente consiga pagar a dívida e equilibrar as contas”, afirmou. A mensalidad­e gira em torno de R$ 4.000 para o período semi-integral, valor semelhante ao integral do Liceu Pasteur.

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Eduardo Knapp/folhapress Corredor do colégio Liceu Pasteur, na Vila Mariana, que completa 100 anos

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