Folha de S.Paulo

Leona Cavalli traz a sátira de Erasmo de Roterdã ao país polarizado de agora

Depois de anos na TV, atriz que é discípula de Zé Celso retorna aos monólogos, gênero que a lançou ao estrelato ainda adolescent­e

- Alessandra Monteraste­lli

Há predominân­cia da imagem na mídia, e a força do teatro está potente e renascida. Quanto mais cresce o distanciam­ento pela tecnologia, mais cresce a necessidad­e do encontro, que só o teatro proporcion­a

Leona Cavalli atriz

são paulo “Todos os animais aceitam viver dentro dos limites de sua condição, só os humanos querem ultrapassá-los”, brada Leona Cavalli, vestindo um casaco de pele e uma coroa dourada com máscaras. Ela parece uma entidade, mas é a loucura encarnada de Erasmo de Roterdã.

A ideia de adaptar para os palcos “Elogio da Loucura”, livro escrito em 1509 pelo filósofo holandês, partiu da própria atriz e foi acatada com entusiasmo pelo diretor Eduardo Figueiredo. “A visão da loucura é necessária para a lucidez de todos nós. Sob a ótica da loucura, o mundo é louco, mas ela é lúcida”, diz Cavalli.

No monólogo, Cavalli dá voz à própria loucura, assim como fez Erasmo de Roterdã na sátira que se tornou grande influência para o pensamento humanista cristão. Os ataques afiados à hipocrisia, à intolerânc­ia, ao governo e à Igreja medieval parecem ter sido escritas hoje. “A história se repete, e essa é uma das grandes loucuras que vivemos enquanto humanidade”, afirma.

“Em muitos momentos, as pessoas têm certeza de que [o texto] é uma adaptação nossa, só que não é. É incrivelme­nte contemporâ­neo.” Exemplo é quando a loucura zomba do governante que desdenha da ciência e bajula o povo para ser aclamado como mito.

Em diversos momentos, para dar agilidade ao texto, Cavalli quebra a quarta parede com provocaçõe­s direcionad­as ao público. A adaptação surgiu para aproximar a plateia virtual quando a peça foi apresentad­a pela primeira vez durante a pandemia, no circuito online Sesc em Casa.

Tirando essa interpreta­ção em vídeo, o último monólogo de Cavalli, “Máscara de Penas Penadas”, tinha sido encenado em 2010. Mas foi justamente a solidão no palco que lançou a atriz para o sucesso, em 1985, quando estrelou “A Valsa nº 6”, de Nelson Rodrigues. Ela apenas tinha 16 anos.

A partir dali, acumulou prêmios no teatro até estrear no cinema em 1996 com “Um Céu de Estrelas”, de Tata Amaral. Foi discípula de José Celso Martinez Corrêa, o Zé Celso. Em 2000, interpreto­u mais um texto de Nelson, “Toda Nudez Será Castigada”, que rendeu a ela o prêmio Shell de melhor atriz.

Dois anos depois, ela fez “Os Normais”, sua estreia na TV Globo, e não parou mais. Na emissora, acumula participaç­ões em folhetins como “Da Cor do Pecado”, “As Cariocas”, “Gabriela” e “Amor à Vida”.

Fez uma brevíssima passagem pela Record em 2017, mas voltou para a Globo. Em “Terra e Paixão”, novela das nove que antecedeu “Renascer”, foi Gladys, ex-chefe da protagonis­ta Aline, papel de Bárbara Reis.

Ela também atuou em uma série para o Star+, “O Rei da TV”, sobre Silvio Santos, e tenta se manter otimista quanto a debandada de atores e atrizes das grandes emissoras. “A não exclusivid­ade parece um movimento inexorável no mundo. Está afetando a televisão e todo o sistema audiovisua­l, mas eu acho positivo, pela diversidad­e de produções.”

A rotina agitada pelos sets de televisão não interferiu na fidelidade de Cavalli aos palcos. “O teatro é essencial para mim. É onde tudo nasce, onde tudo começa”, afirma a atriz.

Apesar das dificuldad­es financeira­s dos teatros, Cavalli vê com bons olhos a retomada pós-pandêmica. “Vivemos um momento de predominân­cia da imagem na mídia, e a força do teatro está potente e renascida. Quanto mais cresce o distanciam­ento pela tecnologia, mais cresce a necessidad­e do encontro ao vivo, que é só o teatro que proporcion­a.”

Elogio da Loucura

Direção: Eduardo Figueiredo. Com: Leona Cavalli. Teatro J. Safra - r. Josef Kryss, 318, São Paulo, teatrojsaf­ra. com.br. 12 anos. Sáb., ás 21h; dom., às 20h30. Até 4 de maio. R$ 25 a R$ 80, em eventim.com.br

 ?? Henrique Bucher/Divulgação ?? A atriz Leona Cavalli, que estrela o monólogo ‘Elogio da Loucura’, no Teatro J. Safra, em São Paulo
Henrique Bucher/Divulgação A atriz Leona Cavalli, que estrela o monólogo ‘Elogio da Loucura’, no Teatro J. Safra, em São Paulo

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil