Livro conta origens e transformações do gênio Hermeto Pascoal
Demorou 88 anos, mas um dos maiores músicos brasileiros de todos os tempos —aliás, do mundo— finalmente ganha uma biografia. Em 15 de maio, sai, pela editora Kuarup, “Quebra Tudo! A Arte Livre de Hermeto Pascoal”, do jornalista Vitor Nuzzi.
Resultado de seis anos de pesquisa e mais de 50 entrevistas, incluindo um longo depoimento do próprio Hermeto, “Quebra Tudo!” conta a saga de um menino albino e estrábico, com problemas de visão e autodidata em música, que nasceu em 1936 em Olho d’Água, pequeno povoado em Alagoas, para ganhar o mundo com sua música livre e genial.
Célebre por usar, além de instrumentos tradicionais como piano, flauta e violão, itens inusitados como água, xícaras, sua própria barba e outras bugigangas que inventa e improvisa, Hermeto se comunicava desde criança com a natureza, tendo pássaros, peixes e sapos como primeiro público.
Autor do livro sobre Geraldo Vandré, “Uma Canção Interrompida”, finalista do prêmio Jabuti, Nuzzi conta a história de Hermeto desde a infância em Olho d’Água. “Conversei com parentes e pessoas que conheceram Hermeto e a família dele, e as histórias são incríveis. O pai de Hermeto tocava sanfona, mas o menino basicamente aprendeu tudo sozinho. E se Olho d’Água ainda é um lugar isolado hoje em dia, imagina em 1936?”
Aos 14, Hermeto e Zé Neto, seu irmão, também albino, foram tentar a sorte como músicos no Recife, com o nome de Galegos do Pascoal, e logo atraíram a atenção de outro gênio musical —e também albino—, Sivuca. “Assim que o vi, percebi que ele tinha dentro dele o fogo sagrado da música”, disse o músico sobre Hermeto.
Do Recife, Hermeto foi ao Sudeste, onde tocou em boates e gravou discos no Rio de Janeiro e em São Paulo. Formou vários grupos, sendo um dos mais famosos o Quarteto Novo, com Airto Moreira, Heraldo do Monte e Theo de Barros.
A família se instalou numa casa no então remoto bairro Jabour, zona oeste do Rio. A casa logo se tornou um ponto de encontro para músicos e local de experimentação sonora.
O grande salto criativo na carreira de Hermeto ocorreu na virada dos anos 1960 para os 1970, quando ele passou dois ou três anos nos Estados Unidos, a convite do casal Airto Moreira e Flora Purim, e voltou com a ideia de libertar cada vez mais a sua música das amarras do comercialismo.
“Antes desse período nos Estados Unidos, Hermeto usava cabelo curto, parecia tímido. Lá, ele mergulha no jazz, grava com Miles Davis e outros músicos geniais e retorna transformado. Em 1973, de volta ao Brasil, grava um disco absolutamente fundamental, ‘A Música Livre de Hermeto Pascoal’. Ali o Hermeto se encontra.”
Outros momentos marcantes da carreira do músico no período são, segundo o biógrafo, o show no Festival Internacional de Jazz realizado em 1978, em São Paulo, quando Chick Corea, John McLaughlin e Stan Getz fizeram questão de dar uma “canja”, e o concerto em 1979 no Festival de Montreux, na Suíça, que resultou não só no álbum “Hermeto Pascoal Montreux Ao Vivo”, como numa participação improvisada e antológica com Elis Regina.
Acompanhada apenas por Hermeto ao piano, Elis interpretou três canções clássicas —“Asa Branca”, “Corcovado” e “Garota de Ipanema”— que depois foram incluídas no álbum “Elis Regina: Montreux Jazz Festival”, lançado em março de 1982, após a morte da cantora.
“Essa noite com a Elis foi um presente que ganhei da vida”, diz Hermeto. Nuzzi conta que Hermeto foi empurrado ao palco por Claude Nobs, organizador do festival.
Além de um relato fascinante sobre a criação do universo musical de Hermeto, que resultou em seus memoráveis shows e gravações com sons de animais e da natureza, “Quebra Tudo!” conta a história de vida de um artista que batalhou para poder chegar ao estágio de ter total liberdade criativa sobre sua arte.
Quebra Tudo! A Arte
Livre de Hermeto pascoal
Autor: Vitor Nuzzi. Ed.: Kuarup. R$ 50 (280 págs.). Lançamento em 15 de maio, no Bourbon Street - r. dos Chanés, 127, São Paulo, com sessão de autógrafos às 19h; às 21h30, show com Hermeto Pascoal, R$ 165