Folha de S.Paulo

Livro conta origens e transforma­ções do gênio Hermeto Pascoal

- André Barcinski

Demorou 88 anos, mas um dos maiores músicos brasileiro­s de todos os tempos —aliás, do mundo— finalmente ganha uma biografia. Em 15 de maio, sai, pela editora Kuarup, “Quebra Tudo! A Arte Livre de Hermeto Pascoal”, do jornalista Vitor Nuzzi.

Resultado de seis anos de pesquisa e mais de 50 entrevista­s, incluindo um longo depoimento do próprio Hermeto, “Quebra Tudo!” conta a saga de um menino albino e estrábico, com problemas de visão e autodidata em música, que nasceu em 1936 em Olho d’Água, pequeno povoado em Alagoas, para ganhar o mundo com sua música livre e genial.

Célebre por usar, além de instrument­os tradiciona­is como piano, flauta e violão, itens inusitados como água, xícaras, sua própria barba e outras bugigangas que inventa e improvisa, Hermeto se comunicava desde criança com a natureza, tendo pássaros, peixes e sapos como primeiro público.

Autor do livro sobre Geraldo Vandré, “Uma Canção Interrompi­da”, finalista do prêmio Jabuti, Nuzzi conta a história de Hermeto desde a infância em Olho d’Água. “Conversei com parentes e pessoas que conheceram Hermeto e a família dele, e as histórias são incríveis. O pai de Hermeto tocava sanfona, mas o menino basicament­e aprendeu tudo sozinho. E se Olho d’Água ainda é um lugar isolado hoje em dia, imagina em 1936?”

Aos 14, Hermeto e Zé Neto, seu irmão, também albino, foram tentar a sorte como músicos no Recife, com o nome de Galegos do Pascoal, e logo atraíram a atenção de outro gênio musical —e também albino—, Sivuca. “Assim que o vi, percebi que ele tinha dentro dele o fogo sagrado da música”, disse o músico sobre Hermeto.

Do Recife, Hermeto foi ao Sudeste, onde tocou em boates e gravou discos no Rio de Janeiro e em São Paulo. Formou vários grupos, sendo um dos mais famosos o Quarteto Novo, com Airto Moreira, Heraldo do Monte e Theo de Barros.

A família se instalou numa casa no então remoto bairro Jabour, zona oeste do Rio. A casa logo se tornou um ponto de encontro para músicos e local de experiment­ação sonora.

O grande salto criativo na carreira de Hermeto ocorreu na virada dos anos 1960 para os 1970, quando ele passou dois ou três anos nos Estados Unidos, a convite do casal Airto Moreira e Flora Purim, e voltou com a ideia de libertar cada vez mais a sua música das amarras do comerciali­smo.

“Antes desse período nos Estados Unidos, Hermeto usava cabelo curto, parecia tímido. Lá, ele mergulha no jazz, grava com Miles Davis e outros músicos geniais e retorna transforma­do. Em 1973, de volta ao Brasil, grava um disco absolutame­nte fundamenta­l, ‘A Música Livre de Hermeto Pascoal’. Ali o Hermeto se encontra.”

Outros momentos marcantes da carreira do músico no período são, segundo o biógrafo, o show no Festival Internacio­nal de Jazz realizado em 1978, em São Paulo, quando Chick Corea, John McLaughlin e Stan Getz fizeram questão de dar uma “canja”, e o concerto em 1979 no Festival de Montreux, na Suíça, que resultou não só no álbum “Hermeto Pascoal Montreux Ao Vivo”, como numa participaç­ão improvisad­a e antológica com Elis Regina.

Acompanhad­a apenas por Hermeto ao piano, Elis interpreto­u três canções clássicas —“Asa Branca”, “Corcovado” e “Garota de Ipanema”— que depois foram incluídas no álbum “Elis Regina: Montreux Jazz Festival”, lançado em março de 1982, após a morte da cantora.

“Essa noite com a Elis foi um presente que ganhei da vida”, diz Hermeto. Nuzzi conta que Hermeto foi empurrado ao palco por Claude Nobs, organizado­r do festival.

Além de um relato fascinante sobre a criação do universo musical de Hermeto, que resultou em seus memoráveis shows e gravações com sons de animais e da natureza, “Quebra Tudo!” conta a história de vida de um artista que batalhou para poder chegar ao estágio de ter total liberdade criativa sobre sua arte.

Quebra Tudo! A Arte

Livre de Hermeto pascoal

Autor: Vitor Nuzzi. Ed.: Kuarup. R$ 50 (280 págs.). Lançamento em 15 de maio, no Bourbon Street - r. dos Chanés, 127, São Paulo, com sessão de autógrafos às 19h; às 21h30, show com Hermeto Pascoal, R$ 165

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Gustavo Lacerda/Folhapress O músico Hermeto Pascoal

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