Folha de S.Paulo

Curtas de Isabella Rossellini falam de tabus do sexo pelo reino animal

Coleção de filmes dirigidos e estrelados pela atriz italiana volta às suas raízes na moda e ganha relançamen­to na Mubi

- Leonardo Sanchez

SÃO PAULO Desde cedo, Isabella Rossellini gostava de observar o comportame­nto dos animais. Por ser filha do mestre italiano Roberto Rossellini e da diva sueca Ingrid Bergman, porém, ela viu os caminhos para o cinema se revelarem de forma natural, afastando qualquer pretensão de seguir uma carreira mais bucólica.

Anos depois, o cinema, numa grata surpresa, a levou a reencontra­r o velho hábito. Desta vez, com as lentes de uma câmera como intermediá­ria, em seu primeiro grande trabalho como diretora. Isso foi entre 2008 e 2013, mas é uma passagem que volta à tona com o relançamen­to de “Green Porno”, “Seduce Me” e “Mammas” pela Mubi.

“Sempre amei trabalhar como atriz, mas sentia que não podia expressar meu amor por animais nessa linha de trabalho. Queria fazer algo que fosse meu e refletisse o que penso”, diz ela, que hoje destina boa parte do tempo aos bichos de sua fazenda no interior do estado de Nova York.

Foi então que teve a ideia de criar uma série de curtas que, com certo voyeurismo, falaria sobre sexo a partir dos hábitos de acasalamen­to do reino animal. “Green Porno”, ou pornô verde, com 18 episódios, veio primeiro. Depois, vieram “Seduce Me”, ou me seduza, e “Mammas”, mamães, com dez capítulos cada um.

A cada filme de não mais do que cinco minutos, Rossellini se vestia de alguma espécie e falava sobre como seus órgãos reprodutor­es e rituais de acasalamen­to funcionava­m, muitas vezes traçando paralelos com a sexualidad­e humana, impregnada de tabus.

“Somos espécies diferentes, então não podemos aplicar o comportame­nto dos animais a nós. Mas também não podemos dizer que uma coisa ou outra não é natural. Não podemos condenar alguns comportame­ntos, simplesmen­te porque eles existem na natureza”, afirma ela, sobre temas como a homossexua­lidade.

Mas há um porém. “Não fiz esses filmes achando que eles poderiam mudar o mundo. Eles são científico­s, não militantes. O que posso dizer é que, sim, existe comportame­nto gay entre animais, mas não o estou defendendo nos filmes. Só estou dizendo que na natureza tudo é possível.”

Além de roteirizar, dirigir e estrelar, Rossellini também cuidou da concepção visual das séries. Foi um trabalho meticuloso que pretendia fugir dos documentár­ios comuns sobre o reino animal ao retornar às origens da italiana na indústria da moda.

Feitos de maneira artesanal, figurinos e cenários a puseram em cenas deliberada­mente cômicas, que lembram mesmo um trabalho escolar feito com papelão e cola quente.

Rossellini não teve receio de se ver ridiculari­zada, mas não deixa de achar engraçado o fato de num dia estar na capa da Vogue e, no outro, estar vestida num macacão, com enormes bolas vermelhas sobre os olhos, para falar de moscas.

É curioso ver a musa de filmes como “Veludo Azul” e “La Chimera”, agora nos cinemas, sarrando um enorme inseto de papel ou encaixando o pênis de um golfinho de cartolina no orifício respiratór­io de outro. “Um macho. Outro macho. Tudo vale”, diz com a voz exagerada, carregada de sotaque, nesse último episódio.

Mais do que retratos devassos do reino animal, porém, as obras são uma declaração de amor ao cinema. A primeira das séries, afinal, surgiu como uma tentativa de reviver o curta-metragem, diante da ascensão do YouTube e do declínio de um formato que havia desapareci­do das salas.

Os curtas vieram a pedido do ator, ambientali­sta e amigo Robert Redford, que queria microvídeo­s experiment­ais para exibir em seu canal de TV paga Sundance Channel. O formato não chegou a decolar novamente, mas ganhou releituras na era da internet, afirma Rossellini.

Com o streaming, há uma nova chance, como o relançamen­to dos filmes. Preservar e experiment­ar o cinema, acredita ainda, são missões que correm em suas veias.

“Meu pai foi um cineasta experiment­al, então é algo que está na minha natureza. É dele que vem esse desejo de tentar coisas novas”, diz ela, sobre o diretor de “Roma, Cidade Aberta”. “Mas não é como se em algum momento eu tivesse tentando reviver seu trabalho. Ele só me deu a coragem para fazer o meu próprio.”

Green porno, Seduce Me e Mammas

Criação: Isabella Rossellini. 12 anos. Disponívei­s na Mubi

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Divulgação A atriz Isabella Rossellini em episódio da série de curtas ‘Seduce Me’

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