Folha de S.Paulo

Ciência ignorada

- Priscilla Bacalhau Doutora em economia, consultora de impacto social e pesquisado­ra do FGV EESP Clear

Como investir o dinheiro público? Como escolher a melhor forma de direcionar os escassos recursos? Ideologia política, lobby, populismo e proximidad­e das eleições são fatores que influencia­m como esse dinheiro é gasto. Por outro lado, em décadas recentes o conceito de políticas públicas baseadas em evidências vem se expandindo, com o objetivo de diminuir a subjetivid­ade na tomada de decisões e utilizar recursos de forma mais eficiente.

O conceito de práticas baseadas em evidências se iniciou na medicina, com testes de tratamento­s e vacinas, mas vem se espalhando para outros campos, inclusive no das políticas sociais. Na educação há vários casos práticos do que isso significa, em que se incorpora o que a ciência (pesquisas, teoria, experiment­os, avaliações) diz sobre qual a melhor forma de resolver um problema.

Mais importante ainda é refletir sobre quais seriam as consequênc­ias de não seguir o que apontam as evidências. Nas políticas educaciona­is, cresce o risco de que crianças não aprendam tudo o que deveriam e se atrasem no ciclo escolar, que professore­s não recebam formação adequada, que haja um aprofundam­ento de desigualda­des… Tudo isso traz efeitos negativos de longo prazo, que serão sentidos na sociedade e na vida dos indivíduos que não receberam a melhor educação possível.

Na saúde, não utilizar evidências científica­s talvez traga efeitos mais imediatos. Por exemplo, quando não se viabilizam imediatame­nte vacinas para uma doença pandêmica, muitas mortes que poderiam ter sido evitadas ocorrem em um curto espaço de tempo.

Mas um campo de evidências apontadas por cientistas há décadas não tem reflexo suficiente nas políticas. Esse campo afeta direta e drasticame­nte a vida do mundo todo, ainda que de forma desigual: as mudanças climáticas.

Nesse campo, a ciência demonstra os potenciais efeitos das mudanças climáticas no aumento da ocorrência de eventos extremos. E as consequênc­ias de ignorar a ciência estão aí, hoje, ontem, todos os dias, cada vez mais aparentes, para todos vermos.

As chuvas que causaram enchentes no Rio Grande do Sul nos últimos dias não poderiam ter sido evitadas em governos recentes, mas a tragédia que se sucedeu sim. Desastres ambientais sempre ocorreram e vão continuar ocorrendo em intervalos cada vez mais curtos. Não dá para dizer que é imprevisív­el, que ninguém poderia imaginar.

Por que então os estados nunca estão preparados para lidar com as catástrofe­s? Por que ainda não há estratégia­s para enfrentame­nto dos eventos extremos em todos os território­s? O que falta para a política se integrar ao que a ciência já está cansada de repetir?

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