Folha de S.Paulo

Crianças são crianças

- Hélio Schwartsma­n helio@uol.com.br

Sempre um gentleman, Pierpaolo Cruz Bottini escreveu uma réplica à minha coluna “Vontade de punir” (3/5), sobre o caso de racismo numa escola de elite paulistana. O artigo é muito bom. Quase me convenceu a mudar de opinião. Quase.

Pier traça uma distinção forte entre o direito penal, campo em que ele concordari­a com a ideia de que as sanções precisam ser mais moderadas quando aplicadas a menores, e a vida escolar, esfera em que a expulsão das garotas que perpetrara­m o ato de racismo estaria justificad­a. Tenho dificuldad­es com essa separação. O direito penal não é algo que nos foi um dia dado por Deus no alto do monte Sinai, mas um desenvolvi­mento —esperemos que para melhor— de mecanismos biológicos e culturais de promoção da sociabilid­ade que sempre existiram entre humanos. E não só humanos.

O princípio segundo o qual jovens devem ser tratados com maior tolerância transcende nossa espécie. Frans de Waal, que nos deixou há poucos dias, conta que até entre os ultra-hierárquic­os babuínos —a extrema direita dos primatas—, macacos pequenos podem quase tudo, inclusive saltar na barriga de machos alfa sem ser incomodado­s. É possível que a própria assimilaçã­o de regras sociais tenha como pressupost­o um período de aprendizad­o no qual elas não são impostas de modo draconiano.

Mesmo tendo cometido um abjeto ato de racismo, as garotas são crianças e como tal deveriam ser tratadas, no direito e na vida. Uma sanção escolar precisa ser aplicada, mas não creio que devamos logo de cara usar a mais drástica delas, que é a expulsão. A escola que opta por isso nega seu próprio DNA de instituiçã­o dedicada a ensinar, mais do que a punir.

Quanto à vítima, ela deve ser acolhida e receber solidaried­ade, mas não há como desfazer a agressão que sofreu. Ela terá de conviver com isso e com o racismo da sociedade, que, apesar de progressos recentes, não desaparece­rá da noite para o dia.

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