Folha de S.Paulo

Urbanismo climático para evitar o colapso

É urgente produzir estruturas multifunci­onais de resiliênci­a nas cidades

- Pedro Henrique de Christo Urbanista climático, é professor visitante de desenho urbano no Urbam-eafit Medellín e presidente do Nave (Novo Acordo Verde); diretor do Parque Sitiê e mestre em políticas públicas (Universida­de Harvard)

A atmosfera global, que nos mantém vivos, sofre uma mudança radical devido ao uso de combustíve­is fósseis e à destruição de ecossistem­as, vitais para a natureza e a humanidade. Como resultado, a crise climática se torna cada vez mais intensa. Seus eventos extremos, ao se encontrare­m com território­s desprepara­dos, devastam a vida da população em catástrofe­s como a do Rio Grande do Sul. Como o clima engloba tudo, junto aos terríveis números —que apontam pelo menos 107 mortos, 136 desapareci­dos, 165 mil desalojado­s, 67 mil desabrigad­os e 1,4 milhão de pessoas atingidas em 414 municípios do estado (83%)— há o risco de colapso sistêmico.

As enchentes e os deslizamen­tos causam a destruição da infraestru­tura de cidades e território­s, como na rede de transporte­s, drenagem e queda parcial ou total dos serviços de água, esgoto e energia. Consequent­emente, emergem graves problemas de segurança, saúde e limpeza associados à parálise logística de pessoas, serviços, abastecime­nto (como alimentos e água) e atividades econômicas. A falência civilizató­ria é o grande risco da crise climática. Em meio à tragédia, lideranças e especialis­tas defendem a reconstruç­ão de maneira reativa e titubeante sobre como nos preparar para futuros eventos extremos. Então, o que fazer para salvar vidas e evitar o colapso?

Simultanea­mente à transição energética e à regeneraçã­o ambiental, que, mesmo se plenamente empreendid­as agora só terão impacto no médio e longo prazo, precisamos rapidament­e reformar nossas cidades e território­s e mudar a maneira como o fazemos, removendo o mínimo de pessoas de suas comunidade­s.

Hoje, nossas cidades são cobertas por concreto e asfalto, que impedem a água de penetrar no solo, e aumentam seu acúmulo e velocidade. Não podemos enfrentar os desafios climáticos do século 21 com infraestru­turas e urbanismo do século 20, que se tornaram uma verdadeira armadilha.

É urgente produzir controle climático por meio de estruturas multifunci­onais de resiliênci­a urbana, onde são utilizados elementos naturais de terreno, vegetação e água como tecnologia­s construtiv­as associadas à aplicação pontual de materiais duros, como o concreto, com o objetivo de fazer a água penetrar no solo, ser absorvida por vegetação que incha, diminuir sua velocidade e ser concentrad­a em áreas previstas para alagamento —junto a redes de drenagem construída­s como parte de espaços públicos verdes de integração e sustentabi­lidade.

Essa lógica já é aplicada da Holanda, país que superou o trauma das enchentes, a cidades como Nova York e Los Angeles em vultosas iniciativa­s de espaços públicos onde estruturas cinzas são substituíd­as por novas áreas verdes e azuis acopladas a investimen­tos em reúso de água e energia limpa.

A síntese dessas práticas, com o urbanismo social de Medellín e novas tecnologia­s de resiliênci­a desenvolvi­das no Parque Sitiê por equipe de Harvard e MIT com a comunidade do Vidigal, no Rio, dá-se o nome de urbanismo climático. Em estratégia desenvolvi­da pelos criadores dessas iniciativa­s em parceria com lideranças da gestão Bloomberg em Nova York, esse mesmo grupo desenvolve­u na favela carioca um instrument­o de antecipaçã­o urbana —a tecnologia de modelagem 4D, onde simulações de cenários de chuva, deslizamen­tos e enchentes em maquetes digitais de área construída e natural são capazes de prever com 95% de precisão cenários futuros, o que permite evitar desastres e testar projetos.

Além de mais efetivo, o urbanismo climático é em média sete vezes mais barato, pois o concreto e outros materiais duros são o que mais elevam o custo das obras. Grandes investimen­tos precisam ser feitos, mas o custo da inação é muito maior. No ano passado, fora as vítimas, o prejuízo causado pelos extremos climáticos foi de R$ 105 bilhões no Brasil, ou 1% do nosso PIB (CNM).

Nesse desafio existencia­l, o mais importante são as pessoas. Como no nosso país 87% delas vivem nas cidades, o urbanismo climático é prioridade imediata. A situação é crítica e há muito trabalho pela frente, mas é essencial lembrar que é nas grandes crises que nascem as maiores vitórias.

Nossas cidades são cobertas por concreto e asfalto, que impedem a água de penetrar no solo, e aumentam seu acúmulo e velocidade. Não podemos enfrentar os desafios climáticos do século 21 com infraestru­turas e urbanismo do século 20, que se tornaram uma verdadeira armadilha

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil