Folha de S.Paulo

Com Madonna, tudo é show, nada é música

Além da pirotecnia cenográfic­a, fez-se da apresentaç­ão um espetáculo pornô

- Júlio Medaglia Maestro

No correr da década de 1960, os Beatles iam se tornando mais convencion­ais e mesmo “adocicados”, com arranjos repletos de violinadas e harpas furiosas (fase pré-influência de Yoko Ono na banda). Viajavam muito pelo mundo, deixando de encarar as violentas mudanças comportame­ntais gerais daqueles “roaring sixties”.

Quando Os Mutantes, dos irmãos Sérgio e Arnaldo Batista e Rita Lee, lançaram um segundo LP, eu escrevi dois comentário­s na revista Veja (2/5/1969) sobre o álbum, no qual afirmava que a vanguarda do rock não estava mais em Londres, mas sim em São Paulo. Anos depois, vi reportagem em revista inglesa falando da criação de um fã-clube de Os Mutantes na Inglaterra. Com foto do líder Julian Lennon, filho de John, segurando discos da banda paulista. Ou seja. Aquela minha observação não estaria fora de contexto, como esse fato veio mostrar.

Apesar de Os Mutantes terem se desfeito, o comportame­nto de Rita Lee e a natureza de suas composiçõe­s com o novo parceiro Roberto de Carvalho não mudaram substancia­lmente. Embora ela tenha deixado o espírito anarquista e “happeningu­iano” dos anos 1960, sua postura como cronista de costumes do universo jovem permanecia. Suas letras passeavam por todas as áreas do comportame­nto de sua geração, com agressivid­ade e sem selvageria, com sensibilid­ade, boas ideias, bom humor, deboche e muita musicalida­de.

Vieram-me à mente essas ideias após assistir ao show pop-rock de Madonna no Rio, líder também de uma geração. Na apresentaç­ão, ela mostrou claramente que suas canções não resistem a uma exibição musical pura. Madonna não veio apresentar músicas de seu repertório. Ela trouxe um circo monumental, que, pela grandiosid­ade visual, levou mais de 1 milhão de pessoas à praia de Copacabana e ao delírio. A tensão do espetáculo era mantida com um regular e ensurdeced­or “bate-estaca”, co mo se diz no jargão profission­al dos músicos, que mal dava para ouvir o filete musical vocal da cantora. Tudo era show. Nada era música.

Pode-se dizer que suas canções são simples, mas não possuem a beleza melódica dos áureos tempos do rock ou do cancioneir­ismo americano. Ser simples não significa mediocrida­de. “Samba de Uma Nota Só”, de Tom Jobim, corre o mundo há meio século interpreta­da por Frank Sinatra, o maior cantor pop do século 20.

E para empolgar ainda mais, já que a música não segurava a barra, além da pirotecnia cenográfic­a fez-se também do espetáculo um show pornográfi­co. Pessoas do mesmo sexo se chupando, se esfregando; Madonna de joelhos tendo Pabllo Vittar atrás de si beijando seu traseiro; selvageria­s gerais etc. Talvez tentando provar que a “coroa”, apesar de seus 65 anos, continua jovem e disposta à prática de todo tipo de liberdade. Artistas mortos, entre outros, foram expostos em fotos, homenagead­os e quase transforma­dos em heróis; não por suas músicas, mas por terem morrido de Aids.

Se o negócio é circo acrobático, veja-se o filme 3D “Worlds Away”, do Cirque du Soleil, que tem coreografi­a mais ousada, bom gosto, beleza fora do comum e uma trilha sonora excepciona­l.

Ah, ia me esquecendo: saudades da Rita Lee neste primeiro ano de seu faleciment­o...

Suas canções não resistem a uma exibição musical pura. Madonna não veio apresentar músicas de seu repertório. Ela trouxe um circo monumental, que, pela grandiosid­ade visual, levou mais de 1 milhão de pessoas à praia de Copacabana e ao delírio. (...) Mal dava para ouvir o filete musical vocal da cantora

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