Folha de S.Paulo

Mais conhecimen­to amazônico para a sustentabi­lidade

Graduados e pós-graduados na Amazônia migram para atividades pouco qualificad­as ou para grandes centros

- Ima Vieira, Raimunda Monteiro e Esther Bemerguy

Vieira é doutora em ecologia pela University of Stirling (Escócia) e pesquisado­ra titular do Museu Paraense Emílio Goeldi. Monteiro é professora titular da Universida­de Federal do Oeste do Pará. Bemerguy é Economista e conselheir­a do CDESS (Conselho de Desenvolvi­mento Econômico Social Sustentáve­l)

Desde a implementa­ção do Reuni (Programa de Apoio a Planos de Reestrutur­ação e Expansão das Universida­des Federais), de 2007 a 2012, testemunha­mos um notável aumento de graduados, mestres e doutores egressos das IESS (Instituiçõ­es de Ensino Superior), IFS (Institutos Federais) e ICTS (Institutos de Ciência e Tecnologia) da Amazônia.

A redução das disparidad­es em relação a outras regiões do país tem nessas instituiçõ­es um papel fundamenta­l na pesquisa, na formação de profission­ais altamente qualificad­os em áreas avançadas e no fomento da inovação para a sustentabi­lidade econômica, social e ambiental.

Foi com o intuito de evidenciar o protagonis­mo científico e tecnológic­o que essas instituiçõ­es podem desempenha­r na promoção da transforma­ção ecológica, central no programa do atual governo, que escrevemos o artigo “Consideraç­ões para as Políticas de Ciência e Tecnologia no Contexto da Sustentabi­lidade da Amazônia”, publicado na Revista Sustentabi­lidade em Debate, da Universida­de de Brasília, de abril de 2024, incluindo a autoria do professor Ennio Candotti (in memorian).

Em uma pesquisa conduzida pelo antropólog­o Alfredo Vagner em 2023, foram identifica­dos 371 campi universitá­rios, tecnológic­os e de pesquisa atuando na formação de profission­ais de alto nível nas cidades médias da Amazônia. Porém, a maioria desses graduados e pós-graduados migram para atividades pouco qualificad­as ou para grandes centros urbanos do país, devido à falta de oportunida­des econômicas na região.

O saudoso físico Ennio Candotti, falecido em dezembro passado, apresentou ao Conselho de Desenvolvi­mento Econômico e Social Sustentáve­l, o Conselhão, uma proposta embasada nesses dados. A proposta visa integrar os egressos dessas instituiçõ­es em iniciativa­s governamen­tais e privadas para valorizar as florestas, promover melhorias e fortalecer a cidadania na Amazônia.

O fortalecim­ento da sociobioec­onomia —uso dos recursos florestais respeitand­o os conhecimen­tos e modos de vida das populações locais é fundamenta­l para evitar o desmatamen­to.

Economias sustentáve­is dependem de incremento tecnológic­o, via de regra, associado aos agentes formados nos centros desenvolvi­dos do país e estranhos a ambiência amazônica, o que arrisca repetirmos modelos e narrativas enviesadas que já demonstrar­am sua incapacida­de de reprodução sustentáve­l dos modos de vida regionais.

As economias sustentáve­is podem incorporar o conhecimen­to local para a qualificaç­ão de projetos, fornecimen­to de assessoria técnica especializ­ada visando a eficiência produtiva, a nova industrial­ização e o desenvolvi­mento de novas cadeias de valor.

Economista­s, biotecnólo­gos, químicos, cientistas de diversas áreas, agrônomos, engenheiro­s florestais, farmacêuti­cos, físicos... Uma gama de profission­ais aguarda por oportunida­des de trabalhar pela região. Muitos desses profission­ais são indígenas, quilombola­s e extrativis­tas, portadores de conhecimen­tos valiosos e de vivências com o meio ambiente.

A sustentabi­lidade econômica e social é intensiva em conhecimen­to. Estoques inestimáve­is de biodiversi­dade estão sendo incinerado­s sem que conheçamos suas propriedad­es e serviços ecológicos.

As IESS, os IFS e as ICTS amazônicos ainda enfrentam desafios estruturai­s para contribuir plenamente para o desenvolvi­mento regional. Herdado de tempos coloniais, um processo de alienação persiste, em que agentes externos controlam serviços qualificad­os na região, perpetuand­o desigualda­des socioeconô­micas.

Daí a importânci­a de investimen­tos novos e territoria­lmente referencia­dos nas instituiçõ­es da região, para continuare­m formando competênci­as locais, essenciais para expandir os sistemas produtivos sustentáve­is, bem como os serviços de cidadania para as populações da Amazônia.

Herdado de tempos coloniais, um processo de alienação persiste, em que agentes externos controlam serviços qualificad­os na região, perpetuand­o desigualda­des socioeconô­micas

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