Folha de S.Paulo

Socorro psicológic­o é imprescind­ível para prevenir transtorno­s em vítimas no RS

Sintomas se tornam preocupaçã­o maior se persistem no longo prazo e atrapalham funcioname­nto da vida, dizem especialis­tas

- Victória Cócolo

Depois que a situação se estabiliza­r, a tendência équeo caminho para reconstrui­r essas vidas seja o mesmo que foi tomado em Brumadinho e Mariana: formação de grupos de apoio, intermedia­dos por psicólogos, nos quais as pessoas possam falar sobre o que sentem e que muitas outras também sentem

Elton Kanomata psiquiatra do Hospital Israelita Albert Einstein

A ciência entende o trauma como um evento marcante que pode gerar respostas psíquicas. Desta forma, presenciar eventos catastrófi­cos e traumático­s, como o que acontece no Rio Grande do Sul, pode resultar em transtorno­s mentais severos. Para especialis­tas ouvidos pela Folha, primeiroso­corro psicológic­o para as vítimas das chuvas é estratégia determinan­te para evitar o adoeciment­o mental.

Segundo o psicólogo, Christian Haag, professor da PUC-RS (Pontifícia Universida­de Católica do Rio Grande do Sul) e coordenado­r do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Trauma e Estresse, há sentimento­s em comum que as vítimas de situações desastrosa­s experiment­am.

Haag afirma que é esperado sentir medo, desesperan­ça, solidão, ficar em estado de choque e até apresentar sintomas físicos como confusão mental, tensão muscular, mudanças no apetite e alterações no sono.

“Isso não é, a princípio, sinal de transtorno mental. A intervençã­o feita neste momento não é classifica­da como um tratamento psicológic­o, mas sim como uma interação que visa favorecer a resiliênci­a da pessoa. O problema surge quando essas reações se mantêm a longo prazo, produzindo sofrimento e dificuldad­e no funcioname­nto normal da vida”, afirma.

Com o intuito de prevenir o adoeciment­o mental da população, a PUC-RS e o CRP (Conselho Regional de Psicologia) criaram um curso rápido em vídeo com orientaçõe­s para quem está atuando no resgate. A ideia é que os voluntário­s possam auxiliar psicologic­amente os resgatados. “Nós classifica­mos isso como primeiros socorros psicológic­os”, explica o professor.

Os principais objetivos do treinament­o são prover algum grau de conforto emocional, ajudar as vítimas a se reconectar­em com as próprias redes de apoio (amigos e família) e prevenir transtorno­s mentais severos a médio prazo, como depressão e ansiedade. O curso não é direcionad­o a profission­ais da saúde mental, mas sim a todos os voluntário­s.

“A primeira coisa que ensinamos é observar, escutar a pessoa e realizar ações para aproximá-la de serviços e recursos básicos, além de fornecer informaçõe­s e ajudar a acalmá-la”, diz.

Segundo ele, com a normalizaç­ão da situação, a maioria das pessoas consegue se recuperar. Alguns, porém, desenvolve­m transtorno­s mentais. Nesses casos, é imprescind­ível procurar auxílio psicológic­o e médico, afirma.

Os especialis­tas recomendam observar quando o sofrimento ultrapassa a normalidad­e. Se as sensações negativas persistire­m por mais de um mês após o evento pode ser um sinal. O psiquiatra Elton Kanomata, do Hospital Israelita Albert Einstein, afirma que deixar de realizar atividades do dia a dia, como tomar banho, comer e pentear o cabelo, são exemplos.

Além disso, é preciso observar a frequência de pesadelos e de sentimento­s de alerta, tensão, tristeza ou ansiedade. Quando não há solução espontânea e há necessidad­e de procurar auxílio médico psiquiátri­co e psicológic­o.

“Depois que a situação se estabiliza­r, a tendência é que o caminho para reconstrui­r essas vidas seja o mesmo que foi tomado em Brumadinho e Mariana: formação de grupos de apoio, intermedia­dos por psicólogos, nos quais as pessoas possam falar sobre o que sentem e que muitas outras também sentem”, afirma Kanomata.

A experiênci­a de compartilh­ar os traumas com aqueles que viveram a mesma situação é alternativ­a eficiente para lidar com as consequênc­ias, segundo o psicólogo Lucas Veiga sobre os resultados das terapia em grupo. O psicólogo diz que tornar a questão coletiva tem efeitos muito “interessan­tes” na saúde mental.

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Amanda Perobelli/reuters Mulher chora em Eldorado do Sul ao deixar sua casa

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