Polícia prende dois dos responsáveis por golpe com quadros de Tarsila
Justiça condena família por trás de esquema que vitimou a viúva do colecionador Jean Boghici, e dois seguem foragidos
Dois dos acusados de um golpe de R$ 725 milhões contra Geneviève Rose Coll Boghici, viúva do colecionador de arte e marchand Jean Boghici, foram presos nesta quinta-feira no Rio de Janeiro.
São eles Gabriel Nicolau e Jacqueline Stanesco, ambos detidos em suas casas, no bairro de Ipanema. Outra acusada do golpe, Diana Rosa Stanesco, mãe de Gabriel e que se passou por uma vidente, foi procurada em seu endereço, mas não foi encontrada. Ela é considerada foragida. O pai de Diana, Slavko Vuletic, o quarto e último acusado, já cumpria prisão em regime semiaberto e foi notificado. Ele também é considerado foragido, de acordo com o advogado da vítima, Ary Brandão.
Os mandados de prisão foram expedidos após a Justiça condenar todos os suspeitos pelos crimes de que eram acusados —estelionato, extorsão, roubo, sequestro, cárcere privado e associação criminosa.
A maior pena de prisão foi de 45 anos, dada a Diana, a falsa vidente. Os outros condenados devem passar entre sete e 13 anos atrás das grades.
Além disso, os quatro devem ressarcir a vítima em R$ 421 milhões, dado que R$ 303 milhões do montante total do golpe já foram recuperados. Os imóveis e os carros adquiridos com dinheiro dos crimes, bens que estavam em nomes dos condenados e de seus parentes, foram confiscados.
No valor total do golpe estão incluídas 16 obras de artistas de peso como Tarsila do Amaral, Cícero Dias e Emiliano Di Cavalcanti, além de joias roubadas e pagamentos de milhões feitos pela vítima sob coação.
Segundo o inquérito, o golpe teve início em 2020, quando, ao sair de uma agência bancária em Copacabana, na zona sul do Rio de Janeiro, Geneviève foi abordada por uma mulher. Era Diana, que disse ser vidente e ter visto que a filha de Geneviève, Sabine, estava doente e ia morrer.
Ela então convenceu a idosa —cuja filha tinha problemas psicológicos desde a adolescência, incluindo depressão, ansiedade e crise de pânico— a ir com ela até seu apartamento no bairro. Ali, jogou búzios, confirmou a previsão trágica e levou Geneviève para a casa de uma segunda vidente que então faria a cura.
Era Jacqueline, afirma a polícia. Para fazer o trabalho, a mulher perguntou à viúva onde ela morava e quais bens tinha. Geneviève desconfiou, não quis responder e seguiu com Diana para a casa de uma terceira cartomante que seria de confiança, Rosa Stanesco Nicolau, a irmã de Diana.
Conhecida como Mãe Valéria de Oxóssi, Rosa jogou búzios, tirou cartas e disse que Sabine tinha um espírito ruim que a levaria à morte. Cobrou, então, um pagamento. A idosa depois contou a situação à filha, que a convenceu a realizar todos os pagamentos.
Depois desses pagamentos, que somaram R$ 5 milhões em pouco mais de dez dias e foram feitos nas contas do pai e do sogro da primeira falsa vidente, a filha começou a isolar a mãe da convivência com outras pessoas e dispensou os funcionários da casa, o que fez Geneviève desconfiar.
Ainda de acordo com as investigações, nesse momento Sabine começou a agredir e ameaçar Geneviève, além de negar comida a ela, para a forçar a fazer as transferências. Sob a desculpa da pandemia, ela não podia ver nem ligar para ninguém, a não ser as pessoas que faziam o tratamento espiritual. O isolamento teria durado até abril de 2021.
A filha chegou a colocar uma faca no pescoço da mãe diversas vezes, segundo o depoimento da idosa, enquanto, ao telefone no viva voz, a companheira de Sabine, Diana, a mandava matar a mãe. A partir de setembro de 2020, sob coação, foram feitos mais 38 pagamentos, que somaram cerca de R$ 4 milhões ao filho de Diana, Gabriel.
Nesse período, Diana passou a frequentar a casa, ameaçando amaldiçoar e agredir Geneviève se ela não obedecesse. Foi aí que a companheira de Sabine passou a levar objetos de valor do apartamento, incluindo os 16 quadros, dizendo que eles estavam todos amaldiçoados.
Sabine, que também era ré e respondia ao processo em liberdade, morreu em setembro passado, num suposto suicídio.