Folha de S.Paulo

Artista Maria Lira Marques teve telas falsificad­as postas à venda em leilões

Nome em ascensão, com obras de R$ 40 mil, foi alvo de esquema de um falsário que enganou mercado de arte por meses

- João Perassolo

Dezenas de obras falsas de Maria Lira Marques invadiram o mercado de arte desde pelo menos junho do ano passado, num esquema de falsificaç­ão capaz de enganar colecionad­ores e galeristas experiente­s, que compraram pinturas e esculturas atribuídas à artista como sendo verdadeira­s, segundo relatos de profission­ais do meio.

No início de abril, um dos suspeitos de falsificar as obras, Carlos Borsa, foi pego em flagrante ao tentar vender pinturas atribuídas à artista e prestou depoimento à polícia. Ele nega a acusação e diz que comprava as falsificaç­ões de um vendedor numa feira em Embu das Artes, cidade próxima a São Paulo. Borsa agora responde por estelionat­o.

Em junho do ano passado, a Blombô, uma casa de leilões, fez um pregão no qual vendeu por cerca de R$ 3.000 uma escultura da artista que depois se revelou falsa. Lira, como é conhecida, é do vale do Jequitinho­nha, em Minas Gerais, a região com os piores indicadore­s sociais do Brasil. Ela pinta o que chama de bichos do sertão —em pedras e em telas—, usando para isso tintas produzidas com terra.

Daniel Rebouço, coordenado­r de leilões de arte na Blombô, afirma ter pegado a escultura em consignaçã­o com Borsa e em seguida checado a procedênci­a. Ele relata ter enviado fotos da obra para pessoas próximas à artista, que por sua vez teriam mostrado para Lira Marques e recebido a confirmaçã­o da autoria.

“Tenho isso registrado e documentad­o”, afirma Rebouço, por telefone. Segundo ele, um marchand de Belo Horizonte que já expôs obras da artista comprou a escultura falsa. Ao descobrir que a peça não era de autoria de Marques, Rebouço diz ter contatado o comprador e ressarcido todo o dinheiro.

O advogado de Borsa, Frank de Carlos Azevedo, afirma não conseguir contato com seu cliente nos últimos dias e que falará assim que ele responder. Azevedo ressalta que Borsa não é tratado como falsário no inquérito em andamento. Acrescenta que ele é um fã da artista e que sempre alegou ter aqduirido as obras falsas de um terceiro, sem saber de que se tratava de pirataria.

No final de outubro, a casa de leilões Spiti apregoou dez obras falsas de Marques, entre pinturas e esculturas, que consignou de Borsa, de acordo com Fabio Cimino, um dos proprietár­ios da Spiti.

“Ele [Borsa] era muito genial. As obras eram muito bem feitas. Ele é um artista com muitas qualidades técnicas. Eu fui enganado. Não desconfiei em nenhum momento que as obras eram falsas”, diz Cimino, acrescenta­ndo ter certeza de que era Borsa quem produzia as piratarias.

Cimino, com uma carreira de cerca de quatro décadas como galerista e leiloeiro, relata que Borsa contava uma história muito confiável de que sua mãe era amiga da artista e que ele possuía obras dela.

Isso, aliado às qualidades técnicas da falsificaç­ão e ao fato de que vários agentes de peso do mercado estavam comprando as obras falsas, foi o suficiente para que Cimino pegasse as pinturas para vender em seu leilão. “Um monte de gente comprou as obras dele com a mesma ladainha”, afirma Cimino.

Além das dez peças consignada­s que vendeu no pregão, Cimino relata ter comprado de Borsa cerca de 12 obras por R$ 200 mil. Esses trabalhos foram apresentad­os aos investigad­ores e não chegaram ao mercado, segundo ele e um informante de polícia. Cimino afirma ter reembolsad­o quem comprou as obras piratas.

O leiloeiro conta ainda que o suspeito vendia cada uma das telas por R$ 12 mil, um preço abaixo do valor de mercado da artista, mas não tão mais barato a ponto de causar desconfian­ça. Era uma cifra atrativa para os compradore­s e benéfica para os vendedores.

No leilão da Spiti, as telas foram arrematada­s por preços a partir de R$ 17 mil, e a mais cara saiu por R$ 37 mil. A reportagem apurou com duas pessoas que preferem não ter seus nomes publicados que o galerista de Marques, Thiago Gomide, comprou pelo menos uma dessas obras piratas.

“Eu não comprei obra falsa em leilão, eu represento a artista”, afirma Gomide.

Entre junho do ano passado e fevereiro deste ano, houve ao menos cinco leilões com trabalhos de Maria Lira Marques, um sinal de que seu mercado está aquecido. A artista surgiu no circuito com mais força durante a pandemia e agora tem uma grande mostra retrospect­iva de sua carreira em cartaz no Instituto Tomie Ohtake, com pinturas, esculturas e material iconográfi­co.

Depois de uma série de trabalhos falsos atribuídos à artista circularem no mercado por ao menos seis meses, o alarme soou. Rebouço relata ter notado que havia algo errado quando o suspeito começou a tentar consignar mais obras. “Não tem uma quantidade grande de obra de uma artista sendo ofertada assim, de maneira aleatória. Sei da dificuldad­e de conseguir obras da Maria Lira”, ele afirma.

Gomide também relata ter desconfiad­o do volume de trabalhos da artista em circulação. Foi ele, de acordo com a polícia e o advogado de Borsa, que armou um flagrante, em sua própria galeria, na avenida Paulista, para que o suspeito fosse detido.

Sobre um suposto aval da artista às obras piratas, Gomide afirma que talvez o falsário tenha se usado da idade dela —78 anos— e do fato de Maria Lira Marques não ter celular. “Mas não sei se isso aconteceu”, ele afirma, acrescenta­ndo que depois a pintora viu as obras pessoalmen­te e afirmou que não eram dela. No inquérito da polícia há a reprodução das obras falsas com uma declaração da artista regristrad­a em cartório.

Borsa, nascido em 1980, se apresenta nas suas redes sociais como artista plástico e professor de pintura realista.

Cimino afirma que o lugar seguro para comprar obras de Maria Lira Marques é na galeria de Gomide, a Gomide & Co, e credita ao galerista o mérito por desvendar o esquema. “O importante é o final feliz, o falsário foi descoberto, e as pessoas foram ressarcida­s.”

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Fotos Divulgação/spiti Obras falsas atribuídas a Maria Lira Marques e leiloadas pela Spiti
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