Folha de S.Paulo

Racha põe credibilid­ade de autonomia em dúvida, afirmam ex-diretores

- Joana Cunha, Júlia Moura e Nathalia Garcia

O racha na diretoria do Banco Central, explicitad­o no Copom de quarta (8), antecipa o perfil que se pode esperar dos indicados pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas deixa dúvidas sobre a credibilid­ade da autonomia da instituiçã­o no futuro.

É o que avaliam alguns dos antigos membros do comando do BC, após a reunião desta semana, que cortou a taxa básica de juros (Selic) em 0,25 ponto percentual, para 10,50% ao ano, com a oposição de todos os quatro indicados por Lula, cujos votos pediam redução de 0,5 ponto percentual.

Para Henrique Meirelles, presidente do BC entre 2003 e 2011, o Copom desta semana foi muito relevante. Apesar da sinalizaçã­o de maior cautela da instituiçã­o diante das incertezas no cenário global e da piora nas perspectiv­as fiscais pelo lado interno, ele avalia que o resultado da votação pode indicar uma divisão política.

“Todos aqueles que foram apontados pelo atual governo votaram de um lado, enquanto os anteriores votaram majoritari­amente por uma redução menor. Basicament­e, sinaliza ao mercado a tendência futura”, diz.

A queda mais acelerada no ritmo de cortes é demanda que Lula e o PT têm feito ostensivam­ente desde o ano passado, inclusive, argumentan­do que atual presidente do BC, Roberto Campos Neto, teria ligações com o bolsonaris­mo e contribui para atrasar o cresciment­o.

O mandato de Campos Neto acaba em 31 de dezembro. O nome mais cotado para substituí-lo é o de Gabriel Galípolo, hoje diretor de Política Monetária do BC, que foi braço direito do ministro da Fazenda Fernando Haddad e atuou na campanha petista na eleição de 2022. Desde que assumiu o posto no BC, em julho do ano passado, Campos Neto e Galípolo votaram alinhados em todas as ocasiões.

Para Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor da instituiçã­o e presidente do conselho da Jive Investment­s, o voto de oposição em bloco pelos novos diretores indicados por Lula não foi boa ideia. A dissidênci­a é muito séria e arranha a credibilid­ade da autonomia, diz ele.

Figueiredo viu no gesto dos novos diretores uma mensagem, enviada ao governo e ao mercado, de que haverá uma mudança de leitura do cenário por parte do BC, o que ele considera preocupant­e porque adiciona uma dúvida a um ambiente externo e interno já repleto de incertezas.

“Como fica quando o Roberto Campos Neto for embora? Essa é a dúvida que aparece. Já havia uma certa dúvida, e agora ela aumentou muito. O resultado é: quando você olha hoje os mercados, a curva de juros abriu barbaramen­te”, diz.

Alexandre Schwartsma­n, ex-diretor de Assuntos Internacio­nais da autarquia de 2003 a 2006 e consultor da A.C. Pastore, afirma que a motivação do voto pelo corte de 0,5 ponto por parte dos quatro novos diretores não ficou explícita no comunicado e será preciso aguardar a ata da reunião, a ser divulgada na próxima semana.

Apesar da divergênci­a, o Copom diz que, de forma unânime, o cenário global incerto, o cenário doméstico marcado por uma atividade econômica mais forte que a esperada e as expectativ­as de inflação acima da meta demandam maior cautela.

Fabio Kanczuk, ex-diretor do BC e head de macroecono­mia da ASA Investment­s, vê o alinhament­o dos indicados por Lula por um corte maior de juros como coincidênc­ia dessa vez.

Na visão dele, o voto de Paulo Picchetti (diretor de Assuntos Internacio­nais e de Gestão de Riscos Corporativ­os) — quem conhece de longa data e demonstrav­a uma visão mais otimista quanto à trajetória da inflação— foi uma decisão “puramente técnica”. Ainda assim, concorda com a percepção do mercado de que a próxima gestão do BC será mais leniente no combate à inflação.

Para Kanczuk, o BC perdeu credibilid­ade após o anúncio da decisão do Copom. Segundo ele, a alta nos preços de mercado para inflação nos prazos mais longos reflete esse descrédito. Ele diz esperar que o colegiado do BC se esforce para mostrar na ata da reunião que as divergênci­as entre os membros novos e antigos não são tão grandes e que é uma questão de estratégia.

“Uma ata na direção de tentar diminuir essa sensação que ficou no mercado de que o BC vai ser político e não técnico. Imagino que a ata vai ser assim. E confesso que muita gente não vai acreditar também na ata”, diz.

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