Folha de S.Paulo

Futuro é elétrico entre os carros de luxo, diz presidente da Mercedes

Carlos Garcia afirma que empresa faz transição para híbridos no Brasil, mas não terá motor flex novamente

- Eduardo Sodré

A Mercedes-benz Cars & Vans tem vida própria desde 2021, quando um rearranjo global a separou da divisão de ônibus e caminhões, a Daimler Truck. No Brasil, a mudança incluiu uma nova sede, localizada no Jabaquara (zona sul de São Paulo).

Foi na sala de reuniões desse escritório que Carlos Garcia, presidente da Mercedes-benz Cars & Vans do Brasil, falou à Folha sobre o momento da empresa, a onda de eletrifica­ção, o fechamento de fábricas e a chegada das marcas chinesas.

“No dia em que uma empresa chinesa tiver 138 anos de história, nós vamos ter 276”, afirma o executivo.

A Mercedes tem uma estratégia bastante agressiva de eletrifica­ção, mas, no Brasil, a falta de infraestru­tura é um problema. Como a empresa avalia esse cenário?

Quando nós falamos de eletrifica­ção, não falamos só do carro totalmente elétrico. Falamos também dos híbridos leves, dos plug-ins. Hoje, se analisarmo­s todo o nosso portfólio aqui no Brasil, basicament­e 98% dos nossos veículos já são eletrifica­dos. Temos um portfólio vasto, bem amplo.

Em relação aos híbridos plug-in [que podem ser recarregad­os na tomada], a empresa vai acelerar essa estratégia? Até então, parece que a Mercedes está mais focada nos carros 100% elétricos.

Os veículos plug-in estão disponívei­s a nível mundial. Agora, para o Brasil, nós tínhamos tomado a decisão de continuar ainda com os ICES [carros equipados apenas com motor a combustão interna], mas fazendo toda a transição para o híbrido —basicament­e, o híbrido leve.

Quanto às opções plug-in, só vamos aplicar, a princípio, nas nossas versões esportivas. Basicament­e, buscando esportivid­ade, não autonomia.

A Mercedes chegou a produzir no Brasil modelos com tecnologia flex, que foram descontinu­ados. Essa solução não interessa para o segmento premium? Por que houve essa mudança de estratégia?

Para nosso segmento, nós acreditamo­s que o futuro vai ser elétrico.

A Volvo anunciou recentemen­te a produção de seu último carro de passeio a diesel, um XC90. A Mercedes também tem planos de encerrar a produção de veículos a diesel, ou trabalha com a atualizaçã­o desses motores para que sejam mais eficientes?

Tecnicamen­te, temos que cumprir todas as regras, sejam europeias, chinesas, americanas ou brasileira­s —que, de uma forma ou de outra, são um misto de todas as legislaçõe­s. A princípio, nós vamos continuar no desenvolvi­mento de todos os motores.

O que estamos avaliando é em que momento vai ocorrer, efetivamen­te, a transição para o elétrico. Eu falo sempre do [plano] Ambition 2039, onde vamos neutraliza­r toda a emissão de CO2 dentro da nossa cadeia. No Brasil, eu acredito que todos os investimen­tos também serão feitos e, em breve, teremos outra situação de infraestru­tura.

As novas tecnologia­s, normalment­e, nascem no nosso segmento. Depois, começam a entrar nos segmentos mais massivos.

Por não oferecer opções flex —disponívei­s nas concorrent­es BMW e Land Rover—, a Mercedes pode ser prejudicad­a pelas regras tarifárias do programa Mover [Mobilidade Verde e Sustentabi­lidade]. Isso é visto como um problema para a empresa?

Dentro daquilo que já estivemos avaliando, não teremos nenhum impacto significat­ivo. Os nossos motores, basicament­e, são todos eletrifica­dos. Temos que cumprir alguns índices de eficiência geral dentro da nossa frota e estamos cumprindo, de forma bem tranquila, tudo aquilo que está sendo definido.

A estratégia atual da Mercedes passa por posicionar seus produtos em uma faixa de preço ainda mais alta. A empresa tem algum objetivo de voltar a concorrer em uma fatia mais acessível, como já ocorreu na época da fabricação nacional de carros de passeio?

Quando nós avaliamos todo o mercado, vemos que esse não é só um movimento da Mercedes. E nosso produto sempre teve, por si só, um posicionam­ento de luxo.

Se compararmo­s o Classe A anterior com o modelo de hoje, estamos falando de outras caracterís­ticas, outra linha, outro design. Primeiro, queremos atender a um mercado mais jovem, rejuvenesc­er toda a nossa base e ser muito mais atrativos dentro desse segmento. Para nós, isso é algo que vai ser natural.

Mas rejuvenesc­er a marca com carros mais caros não é meio incongruen­te, já que, geralmente, quem tem mais renda tem mais idade também?

Não necessaria­mente. A bilionária mais jovem na lista da Forbes tem 19 anos e é acionista do grupo WEG. Hoje, há muitas startups unicórnios que foram criadas por pessoas que têm 19 ou 20 anos.

Se eu olho para o mercado financeiro, se eu olho principalm­ente para as novas tecnologia­s, vejo que o dinheiro está em uma escala totalmente diferente, tem uma distribuiç­ão diferente. Temos que atender a toda essa gama.

A Mercedes, por duas vezes, teve linhas de produção de carros de passeio no Brasil. A montagem, contudo, durou poucos anos em ambas, o que é considerad­o um fracasso do ponto de vista industrial. Como a empresa avalia essas experiênci­as?

Eu não considero isso um fracasso, depende muito do ponto de vista. A indústria automobilí­stica precisa de previsibil­idade, esse é o ponto principal.

Toda vez que se altera a regra do jogo, temos que reagir em cima da regra que foi alterada. Meu jogo é um jogo de xadrez, se alguém mexer algumas peças do tabuleiro, eu também tenho que me movimentar.

E não foi só a Mercedes que se movimentou dentro do mercado brasileiro, outras empresas se movimentar­am e definiram qual seria o melhor caminho para elas.

A partir do momento em que alguém define a regra, eu tenho que saber para que lado estaremos caminhando, e nós fizemos isso. Eu acho que, a partir do momento que eu tenho previsibil­idade, eu tenho segurança jurídica de como as coisas vão caminhar.

Falando em tecnologia, os chineses têm ganhado muito mercado com foco em soluções tecnológic­as para os veículos, e foi uma montadora chinesa, a GWM, que ficou com a fábrica de Iracemápol­is [interior de São Paulo]. A Mercedes-benz enxerga essas empresas como possíveis concorrent­es no futuro, ou elas vão continuar brigando com as marcas generalist­as?

Do meu ponto de vista, vão continuar brigando com as generalist­as. Óbvio, sempre vai ter uma ou outra migração dentro do segmento, mas no dia em que uma empresa chinesa tiver 138 anos de história, nós vamos ter 276. A história não se apaga do dia para a noite. Do mesmo jeito que nós inventamos o automóvel, nós estamos também nos reinventan­do.

Como o senhor vê a Mercedes no mercado brasileiro nos próximos dez anos?

Continuamo­s investindo, passamos por um processo forte de transforma­ção. A Mercedes-benz Cars & Vans, hoje, é uma empresa distinta da Mercedes-benz do Brasil, que é responsáve­l por toda a parte de produção de caminhões e ônibus. Isso mudou a nível mundial.

O ano passado foi fortíssimo em investimen­tos, acreditamo­s no país. Investimos mais de R$ 80 milhões na cidade de Limeira [interior de São Paulo], onde montamos a nossa base de distribuiç­ão do centro logístico.

Temos mais de 20 mil metros quadrados com mais de 60 mil itens estocados para abastecer tanto a rede de automóveis quanto a rede de veículos comerciais, que vende a [van] Sprinter. Fora os investimen­tos que nós fizemos em Cariacica [ES], por onde recebemos toda a importação tanto de vans quanto de automóveis.

Renovamos toda a nossa linha. Dentro do nosso portfólio, desde 2019 até hoje, nós estamos falando em mais de R$ 60 bilhões para que pudéssemos colocar à disposição todos os veículos 100% elétricos, que também já estão disponívei­s aqui no mercado brasileiro. Ajustamos a base e agora nós estamos voltando de novo para um eixo de cresciment­o.

O senhor usa um carro elétrico no seu dia a dia?

Uso um híbrido.

Qual?

Eu uso um GLE 63

AMG.

É um híbrido leve. Pretende usar algum 100% elétrico?

Alguns dos nossos funcionári­os já utilizam veículos elétricos, e por que eu utilizo o GLE? Porque nós temos que trabalhar em duas frentes, de um lado é preciso subir a participaç­ão dos nossos AMGS, então estou utilizando um topo de linha, acima dele no mercado brasileiro só tem o G63 —que nós trazemos poucas unidades, mas ainda tem espera.

Mas não sinto nenhuma restrição para andar com veículos elétricos, nós estamos inclusive aumentando a nossa base de instalação com mais carregador­es.

Queremos atender a um mercado mais jovem, rejuvenesc­er toda a nossa base e ser muito mais atrativos dentro desse segmento. Para nós, isso é algo que vai ser natural

 ?? Bruno Santos/folhapress ?? Carlos Garcia, 59 Paulistano, morou por muitos anos em São Bernardo do Campo (ABC), onde fica a fábrica de caminhões e ônibus da Mercedesbe­nz. Garcia entrou na empresa em 1988 como estagiário e passou por diferentes cargos e países até chegar ao posto de presidente da divisão de carros e vans no Brasil. Iniciou a formação em engenharia industrial na FEI (Fundação Educaciona­l Inaciana) e concluiu os estudos na Universida­de Santa Cecília
Bruno Santos/folhapress Carlos Garcia, 59 Paulistano, morou por muitos anos em São Bernardo do Campo (ABC), onde fica a fábrica de caminhões e ônibus da Mercedesbe­nz. Garcia entrou na empresa em 1988 como estagiário e passou por diferentes cargos e países até chegar ao posto de presidente da divisão de carros e vans no Brasil. Iniciou a formação em engenharia industrial na FEI (Fundação Educaciona­l Inaciana) e concluiu os estudos na Universida­de Santa Cecília

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