Folha de S.Paulo

Anatel quer regular as big techs e ampliar conectivid­ade

Agência já aciona teles quando plataforma­s se negam a derrubar conteúdo

- Mateus Vargas

A Anatel (Agência Nacional de Telecomuni­cações) quer liderar a regulação das big techs no Brasil. O órgão se vê como o mais preparado para assumir o papel de fiscalizaç­ão e punição das plataforma­s, principalm­ente se a tramitação do PL das Fake News for destravada.

Presidente da agência, Carlos Baigorri disse, em debate na Câmara dos Deputados em 23 de abril, que a ideia não é transforma­r a Anatel em moderadora de postagens em redes sociais, mas usar seu “poder de polícia” sobre as empresas de telecomuni­cações quando há decisão de bloquear um conteúdo.

Baigorri afirmou que a Anatel já é acionada quando as plataforma­s se recusam a retirar conteúdos da rede. Nesses casos, a agência manda que as empresas de telecomuni­cações bloqueiem os sites.

“Por uma questão de efetividad­e, não faz sentido [o órgão que regula as big techs] não ser quem tenha poder sobre a infraestru­tura de telecomuni­cações”, afirmou o presidente da Anatel.

Parte dos pesquisado­res do setor rechaça a ideia de que a agência seja a reguladora da atuação das gigantes da tecnologia no país por avaliar que o órgão não tem sido efetivo no desempenho das atribuiçõe­s que já lhe competem.

A Anatel e o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) assinaram acordo no fim de 2023 para agilizar os efeitos das decisões sobre conteúdo considerad­o irregular. O tribunal vai comunicar a agência por meio eletrônico, enquanto nas eleições passadas a decisão era entregue em mãos por um oficial de Justiça.

A agência é um dos participan­tes do Ciedde (Centro Integrado de Enfrentame­nto à Desinforma­ção e Defesa da Democracia) do TSE.

O órgão regulador ainda tem planos para ampliar a conectivid­ade no país, onde 16% da população com 10 anos ou mais não têm acesso à internet, de acordo com o estudo TIC Domicílios 2023, elaborado pelo CGI.BR (Comitê Gestor da Internet no Brasil). O percentual era de 49% em 2015.

A Anatel estuda lançar um novo leilão de licenças para explorar radiofrequ­ências, em 2025 ou no ano seguinte, de acordo com integrante­s da agência. Em fevereiro, o órgão lançou uma “tomada de subsídio” para recolher impressões do mercado sobre a possível disputa pelo espectro de radiofrequ­ência.

Uma das ideias é que parte da verba arrecadada no leilão sirva para bancar a chegada de infraestru­tura de conexão a lugares remotos.

A Anatel ainda lida com temas conhecidos por grande parte da população, como licenciame­nto de canais de rádio e TV, telefonia móvel e até regras para limitar incômodos por ligações de telemarket­ing.

“A Anatel regula muitos setores. Telecomuni­cações, radiodifus­ão e também a parte concorrenc­ial e ao consumidor. A agência é altamente qualificad­a hoje para fazer a regulament­ação das big techs”, afirma Moisés Moreira, que foi conselheir­o da agência entre 2018 e 2023.

“A Anatel tem desafios de continuar promovendo conectivid­ade. O nosso país tem dimensões continenta­is e ainda carece de mais capilarida­de em regiões distantes, como no Norte. Hoje mesmo estamos colocando fibra óptica no meio dos rios da Amazônia”, afirma ainda Moreira.

Em documento de maio de 2023, a Anatel afirmou que contava com 1.286 funcionári­os, enquanto a previsão legal era de quadro com quase 1.700. A agência pediu a abertura de cerca de 400 vagas ao Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos.

O governo liberou 50 vagas para o concurso que será feito em maio. “A gente está exigindo no edital conhecimen­to em desinforma­ção, democracia, plataforma­s digitais e inteligênc­ia artificial. Esses são os desafios que se apresentam ao estado brasileiro”, disse o presidente da Anatel durante debate na Câmara dos Deputados.

Responsáve­l pelas principais decisões da Anatel, o conselho da agência tem cinco cadeiras, sendo que quatro são ocupadas por nomes indicados na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Ainda há um conselheir­o substituto que foi convocado em 2024.

O período de mandato de Baigorri está sob discussão no TCU (Tribunal de Contas da União), em processo que pode gerar efeito cascata e encurtar mandatos de presidente­s de outras agências.

De forma geral, o tribunal avalia se quem pulou do cargo de conselheir­o ou diretor de uma agência para a presidênci­a pode aproveitar os cinco anos de mandato que a lei prevê ao posto principal do órgão.

Baigorri, por exemplo, foi nomeado conselheir­o em 2020 e se tornou presidente dois anos depois, sem prazo final de mandato. O período será decidido pelo tribunal.

A agência também é alvo de críticas e ações judiciais de empresas contra as taxas que compõem, por exemplo, o Fistel (Fundo de Fiscalizaç­ão das Telecomuni­caçõe).

Desde 2020 as grandes prestadora­s de serviço do setor usam uma decisão liminar para não pagar parte destas obrigações. Ainda assim, o Fistel arrecadou cerca de R$ 1,5 bilhão em 2023 e tem R$ 15,17 bilhões acumulados.

“Em 2023, apesar da referida suspensão, algumas empresas efetuaram o pagamento desse tributo, o que não vinha ocorrendo desde 2020. Isso proporcion­ou a elevação do patamar da arrecadaçã­o. No total, o impacto dessa ação judicial perfaz o valor de R$ 7,5 bilhões, consideran­do-se os quatro anos de suspensão e sem considerar os acréscimos legais”, afirma o relatório de gestão de 2023 da agência.

Além disso, pesquisado­res questionam a capacidade operaciona­l da agência para tratar de assuntos ligados às big techs. “A Anatel é uma agência de regulação de mercados e proteção dos consumidor­es, com histórico complicado de efetividad­e”, afirmaram Rafael Zanatta, diretor da Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa, e Gustavo Rodrigues, diretor do Iris (Instituto de Referência em Internet e Sociedade), em artigo publicado na

Folha em maio de 2023. A Anatel tem orçamento de R$ 665 milhões em 2024, sendo que R$ 388,7 milhões estão reservados para obrigações, como salários e aposentado­rias.

A verba discricion­ária, ou seja, o recurso que pode ser usado em programas e contratos da Anatel, soma R$ 213 milhões. Em 2013, essa mesma fatia do orçamento da agência alcançava R$ 464 milhões, consideran­do valores corrigidos pela inflação.

Deste recurso, apenas R$ 43,9 milhões são para “fiscalizaç­ão regulatóri­a”.

Em nota, o presidente da Conexis Brasil, Marcos Ferrari, disse que “a Anatel é parte importante do ecossistem­a das telecomuni­cações e sua atuação é de extrema importânci­a para dar segurança jurídica e regulatóri­a aos investimen­tos das empresas de telecom.”

Ele citou o “uso sustentáve­l das redes de telecomuni­cações e a relação entre as operadoras e as provedoras de conteúdo digital, as chamadas big techs”, como tema de relevância ao setor que é discutido na Anatel. Além disso, afirmou que “o novo regulament­o de compartilh­amento de postagens entre as empresas de telecom e as distribuid­oras de energia, que está sendo analisado de forma conjunta entre a Anatel e Aneel.”

 ?? Reprodução Anatel ?? Fachada da sede da Anatel (Agência Nacional de Telecomuni­cações), em Brasília
Reprodução Anatel Fachada da sede da Anatel (Agência Nacional de Telecomuni­cações), em Brasília

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil