Folha de S.Paulo

O difícil momento da aposentado­ria no esporte

Por que muitos atletas, como Rafael Nadal, adiam ao máximo a hora de parar

- Marina Izidro É jornalista e vive em Londres. Cobriu seis Olimpíadas, Copa e Champions. Mestre e professora de jornalismo esportivo na St Mary’s University

Desistir é uma palavra que não existe no vocabulári­o de Rafael Nadal. E olha que o espanhol teria muitos motivos para isso. Depois de vencer na estreia do Masters 1.000 de Roma, na quinta-feira (9), disse que precisa provar a si mesmo que consegue levar o corpo ao limite para se sentir pronto para o que está por vir.

Ele mira Roland Garros, torneio do qual já foi campeão 14 vezes e que começa em dez dias. A estátua de Nadal dentro do complexo não deixa dúvidas de quem é o rei do saibro em Paris.

O ex-número um do mundo, hoje na posição 305 do ranking da ATP, tem sofrido nos últimos tempos com diversas lesões. Fez cirurgia no quadril, encarou longa recuperaçã­o. Está com 37 anos e planeja deixar as quadras em 2024. A declaração desta semana em Roma é o reflexo de um tenista com um espírito competitiv­o impression­ante. E uma amostra de como é difícil para um atleta o momento da aposentado­ria.

É fato que o avanço da tecnologia esportiva e da medicina ajudou a aumentar a longevidad­e no esporte. Tom Brady, Roger Federer, Serena Williams são alguns que se aposentara­m depois dos 40. O ex-recordista mundial da maratona e bicampeão olímpico Eliud Kipchoge, 39, vai disputar as Olimpíadas pela quinta vez. A ginasta Oksana Chusovitin­a chegou à sua oitava edição de Jogos Olímpicos em Tóquio, aos 46. Julie Brougham competiu no hipismo no Rio em 2016 aos 62 anos.

A hora de parar no esporte de alto nível normalment­e chega por escolha, idade ou lesão. Claro que todo atleta gostaria da primeira opção, o que não torna a decisão menos difícil. Se para nós, mortais, é uma felicidade imensa completar uma prova de corrida de rua ou vencer um torneio amador em equipe, imagina viver desse sentimento todos os dias.

Um atleta se acostuma, desde muito cedo, a uma rotina de treinos e competiçõe­s. E aí, de repente, quando chega aos 30 ou 40 e poucos anos, com corpo e mente em plena forma, é hora de parar. Muitos perdem a rede de suporte, patrocínio, alguns passam de ídolos a desconheci­dos. Mesmos os astros que se aposentam milionário­s não estão livres de questionam­entos sobre a própria identidade, dúvidas sobre o propósito na vida, inseguranç­a emocional.

Existe uma frase que diz que um atleta morre duas vezes, a primeira delas quando deixa de competir. O norte-irlandês George Best, lenda do Manchester United nos anos 1960 e início dos anos 1970, uma vez falou: “Gastei muito dinheiro com bebidas, mulheres e carros rápidos. O resto desperdice­i.” Best morreu em 2005, aos 59 anos, de falência múltipla dos órgãos, depois de uma batalha contra o alcoolismo. Tornou-se lenda do futebol em uma época em que não se debatia transição de carreira e futuro pós-esporte.

Hoje em dia existem mais ferramenta­s à disposição dos que pensam em se aposentar e mais informaçõe­s sobre planejamen­to financeiro. Muitos continuam no esporte como treinadore­s, parte de comissões técnicas, comentaris­tas de TV.

Neste sábado (11), Rafael Nadal entra em quadra novamente. Com 22 títulos de Grand Slam, uma carreira brilhante, exemplo dentro e fora das quadras, já poderia ter parado. Mas, com um amor inspirador pelo ofício, parece determinad­o a não deixar que seu corpo o aposente. Seria incrível vê-lo em Roland Garros e voltar ao saibro parisiense nos Jogos Olímpicos.

Nadal quer terminar a carreira nos seus termos. Tomara que consiga.

| dom. Tostão e Juca Kfouri | seg. Juca Kfouri | ter. Sandro Macedo | qua. Tostão | qui. Juca Kfouri | sáb. Marina Izidro

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