Folha de S.Paulo

Bololô de babacas e bacanas

‘A Rebelião dos Manés’ mostra o bolsonaris­mo apoplético e o pocotó do PT

- Mario Sergio Conti Jornalista, é autor de ‘Notícias do Planalto’

“Perdeu, mané, não amola” é uma frase exemplar. Foi dita por Luís Roberto Barroso em 15 de novembro de 2022, quando ele e a casta suprema —Moraes, Mendes, Lewandowsk­i— desfrutava­m do bem-bom de uma boca-livre em Nova York.

Lula fora eleito presidente em 30 de outubro e tinha a posse marcada para 1º de janeiro. Entre um dia e o outro, bolsonaris­tas acossaram os capas pretas em Manhattan com o chororô de que houvera fraude.

Porta-voz do Brasil dos bacanas, Barroso deu um chega para lá no mané e seguiu caminho. Sua frase entrou para o léxico político. Ela ecoa tanto “ao vencedor, as batatas”, de Machado, como “ponha-se no seu lugar”, a ordem que os mandões dão desde sempre aos pés-rapados.

A bagaceira não engoliu o desdém. Partiu para o pau dias depois da entronizaç­ão de Lula e, com a bênção da grei verde-oliva, arrebentou o Supremo, o Parlamento e o Planalto.

O que houve na praça dos Três Poderes? Tentativa de golpe, arruaça da ralé contra o Brasil da lei e ordem, mas também de privilégio­s e desigualda­de? Uma resposta está em “8/1: A Rebelião dos Manés”, de Pedro Fiori Arantes, Fernando Frias e Maria Luiza Meneses.

Publicado pela Hedra, é o livro mais revelador e original da bibliograf­ia sobre a “bolsonaría­da”. A revelação está nas imagens do baixo clero do gabinete do ódio que os autores garimparam no submundo das redes e as contrapõem a figuras clássicas do discurso da esquerda.

São imagens com referência­s revolucion­árias (tomada do Palácio de Inverno pela Revolução Bolcheviqu­e), medievais (demônios no poder, agora petista), americanas (invasão do Capitólio) e piedosas (bolsonaris­tas orando no Congresso pela vinda dos militares).

A originalid­ade está na análise estética e política de “A Rebelião dos Manés”. Ela mostra que a ala radical da direita se apropriou dos métodos da esquerda, enquanto esta adotou a lenga-lenga dos conservado­res. Quem queria ordem é hoje contra o sistema —e vice-versa.

O Brasil virou de ponta-cabeça em dez anos. O Movimento Passe Livre, o MPL da insurgênci­a de 2013, foi hackeado pelo MBL, o Movimento Brasil Livre, da moçadinha ultraliber­al que organizou uma marcha a Brasília nos moldes das do MST, o movimento dos sem-terra.

Rapidament­e, os janotas foram substituíd­os pelo acampament­o “300 do Brasil”, liderado por Sara Winter, feminista adepta dos “pussy riots” —nudez em protesto contra o patriarcad­o— que passou a rezar pelo missal do armamentis­mo.

Os 300 simularam com fogos de artifício o bombardeio de Brasília-gomorra. Seu nome alude aos 300 de Esparta, que peitaram os persas de Xerxes nas Termópilas; aos 300 de Gideão, judeus que na Bíblia resistiram aos gentios; e ao filme “300”, no qual Xerxes é um careca efeminado —e Xandão se parece com ele nos memes bolsonaris­tas.

Os 300 não eram anômalos. Tinham um ideólogo, Olavo de Carvalho, e um Messias já no nome, Bolsonaro. O autodenomi­nado Mito, por sua vez, contava com a veneração da nata das Forças Armadas e das PMS, com governador­es, emissoras, parlamenta­res, empresário­s e jornalista­s.

A arca de Noé de Lula fez com que a Santa Aliança soçobrasse na eleição, mas não a pôs a pique porque ganhou por um triz. Os vencidos partiram para o terrorismo na véspera do Natal de 2022. Puseram um caminhão-tanque com 63 mil litros de querosene ao lado do aeroporto de Brasília. Tentaram detoná-lo e o hiperpetar­do deu chabu.

A Armada Brancaleon­e se aninhou então na porta do QG de Brasília e aprontou o 8 de janeiro. Citando fartamente os participan­tes, “A Rebelião dos Manés” aventa que o plano era manipular babacas apoplético­s, apostar no pocotó do PT e provocar uma GLO, operação de Garantia da Lei e da Ordem.

Os milicos se assenhorar­iam do bololô e Bolsonaro voltaria em triunfo. Mas a GLO melou e o generalato medrou. Agora, bagrinhos veem o Sol nascer quadrado e os chefes óbvios da intentona —Braga Netto, Augusto Heleno e Bolsonaro— seguem à solta. Na terra da conciliaçã­o, é de rigor tratar os manda-chuvas a pão de ló.

É como diz um amigo de Lula: ele governa com duas tornozelei­ras eletrônica­s. Numa perna tem o centrão; noutra, o Banco Central com seus juros em prol dos rentistas. Mal e mal gerencia o capitalism­o mambembe que lá atrás, na gênese do PT, pretendeu reformar.

Enquanto Bolsonaro atrai multidões com sua peroração antissiste­ma, o presidente não tem o que dizer à sua base histórica, os trabalhado­res. Como se viu no 1º de maio, não atrai nem pelegos.

 ?? Bruna Barros ??
Bruna Barros

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil