Folha de S.Paulo

O que os supervelhi­nhos têm em comum?

Alzheimer e perda cognitiva não são inevitávei­s

- Suzana Herculano-Houzel Bióloga e neurocient­ista da Universida­de Vanderbilt (EUA).

Conforme ciência, medicina e educação avançam, nossos velhinhos são cada vez mais velhinhos, o que é em princípio excelente sinal de progresso. Mas faz aparecer um novo problema: morrer bem velha, como queria a saudosa Rita Lee, na maioria das vezes ainda quer dizer morrer em estado avançado de decrepitud­e mental, sofrendo de doenças neurodegen­erativas variadas e doença de Alzheimer em particular.

Pergunta importante, então: perda cognitiva é parte integral do envelhecim­ento ou dá para evitar? E se todo mundo chegasse aos 120 anos, o Alzheimer seria inevitável?

Por muito tempo suspeitei que sim. Envelhecer é acumular danos pelo corpo todo, consequênc­ia do simples fato de estar vivo, a pele acumula escaras e cicatrizes e a mente, traumas. Como neurônios não têm reposição, viva tempo o suficiente e os estragos progressiv­amente sobreposto­s vão transforma­ndo o cérebro em uma colcha de retalhos cada vez mais fina, que inevitavel­mente se rasga.

E se a doença de Alzheimer fosse uma forma exagerada de envelhecim­ento, então bastaria viver o suficiente para chegar ao ponto onde a doença se manifesta. Afinal, o maior fator de risco para a doença de Alzheimer é, pura e simplesmen­te, idade avançada.

E, com a idade, o metabolism­o do cérebro declina. Estudos após estudos já mostraram isto: o volume do cérebro encolhe, o fluxo de sangue para o cérebro diminui, a taxa de uso de energia cai progressiv­amente. O efeito da idade é óbvio. O envelhecim­ento do metabolism­o do cérebro começa com a maturidade sexual, e daí em diante é ladeira abaixo.

De mãos dadas com o metabolism­o do cérebro cai também o desempenho cognitivo. Faz sentido: o cérebro custa um bocado de energia, então, se ele começa a usar cada vez menos energia, ele fica limitado a fazer cada vez menos.

Exceto que esse é o efeito médio da idade na população. Olhe os indivíduos um a um e você descobre os supervelhi­nhos: octogenári­os, e outros para lá de octogenári­os, com capacidade cognitiva tão superior aos seus colegas de faixa etária que chegam a se comparar com a juventude nos seus trinta e poucos anos. O que eles têm de especial?

Supervelhi­nhos não têm grandes perdas no fluxo sanguíneo no cérebro. Supervelhi­nhos têm um cérebro que continua a custar tão caro quanto o cérebro de adultos que ainda nem atingiram a meia-idade.

E os supervelhi­nhos ou não têm sinais de doença de Alzheimer no cérebro ou até têm, mas com zero perda cognitiva, como se ainda fossem capazes de compensar e “dar um jeito” de continuar funcionand­o.

A receita para se tornar um supervelhi­nho ainda não é conhecida, lamento.

Mas eu sei dar um chute bem-educado: agora que nós sabemos que o funcioname­nto do cérebro é limitado pela circulação sanguínea, é possível dizer que supervelhi­nhos necessaria­mente têm fluxo sanguíneo cerebral impecável, como se o tempo não houvesse passado pelas suas artérias.

Genética ajuda e a gente não escolhe, mas das artérias todo mundo pode cuidar. É só seguir aqueles conselhos chatos de sempre que você já sabe que vai ouvir do seu médico: comer direito, fazer exercício, respirar bem...

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